terça-feira, 20 de maio de 2025

150 Anos da Imigração Italiana na Serra Gaúcha: Um Legado Vivo na Cultura do Rio Grande do Sul

150 Anos da Imigração Italiana na Serra Gaúcha: Um Legado Vivo na Cultura do Rio Grande do Sul

Neste 20 de maio de 2025, o Rio Grande do Sul celebra os 150 anos da imigração italiana na Serra Gaúcha, data que marca o início de uma trajetória de trabalho, fé, tradição e integração cultural. Desde 1875, os imigrantes italianos deixaram marcas profundas na identidade do povo gaúcho — da gastronomia à música, da arquitetura às festas populares. Neste artigo, homenageamos esse legado e mostramos como ele permanece vivo na cultura gaúcha até hoje.

A Chegada dos Imigrantes Italianos ao Rio Grande do Sul

Os primeiros imigrantes italianos desembarcaram em 1875, muitos vindos das regiões do Vêneto, Lombardia, Trentino-Alto Ádige e outras áreas do norte da Itália. Foram acolhidos principalmente na região da Serra Gaúcha, fundando colônias que mais tarde dariam origem a cidades como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi, Farroupilha e Flores da Cunha.

Contribuições Culturais da Imigração Italiana

Gastronomia: Um Sabor Inconfundível

A culinária gaúcha ganhou novos sabores com os italianos. Pratos como polenta, galeto al primo canto, fortaia e radicci com bacon tornaram-se ícones da mesa do Sul. E, claro, não podemos esquecer o vinho colonial, símbolo da Serra Gaúcha e base da economia regional até os dias de hoje.

Arquitetura e Urbanismo

Casas de pedra basáltica, igrejas com torres imponentes e pequenos centros urbanos planejados mostram a forte presença da arquitetura italiana. A zona rural da serra ainda guarda essas construções centenárias como verdadeiros museus a céu aberto.

Música, Língua e Tradições

As festas comunitárias, como a Festa da Uva e as romarias religiosas, misturam o tradicionalismo gaúcho com as heranças da Itália. A presença do talian — dialeto italiano falado em diversas localidades — é prova viva dessa fusão linguística.

A Influência Italiana na Cultura Gaúcha

A miscigenação entre o imigrante italiano e o gaúcho criou um novo modo de vida. A hospitalidade, o espírito comunitário, a força do trabalho em família e o apego à terra são valores que passaram a compor a identidade do gaúcho serrano.

Além disso, nomes de famílias, traços no sotaque, receitas e modos de celebração são memórias vivas da imigração italiana no cotidiano do povo sul-rio-grandense.

Turismo Cultural: Vivencie o Legado Italiano na Serra Gaúcha

O turismo rural e cultural da serra se apoia fortemente nesse legado. Roteiros como o Caminhos de Pedra, o Vale dos Vinhedos e o Parque de Eventos de Bento Gonçalves oferecem uma verdadeira viagem ao passado. Museus, cantinas, vinícolas e hospedagens familiares proporcionam uma imersão autêntica na cultura ítalo-gaucha.

Celebrar os 150 anos da imigração italiana no RS é celebrar o espírito de superação, a construção de comunidades e a formação de uma cultura rica, plural e cheia de alma.

A presença italiana segue viva em cada canto da serra — na comida que compartilhamos, nas festas que celebramos, nas palavras que falamos e no orgulho que sentimos em ser gaúchos.

terça-feira, 13 de maio de 2025

O Pampa em Maio: Costumes, Sabores e Causos do Outono Gaúcho

Maio chega de mansinho nos campos do sul, trazendo o frescor do outono gaúcho. No bioma Pampa, único do Brasil presente apenas no Rio Grande do Sul, a paisagem muda: os campos secam, os ventos sopram mais frios e a vida campeira segue seu ritmo ancestral.

O outono por aqui não é só estação — é cultura viva. A rotina do gaúcho se transforma com os preparativos para o inverno. Os galpões ganham movimento, o fogo de chão aquece os encontros e o poncho sai do baú pra enfrentar o sereno das madrugadas.

Tradições e costumes gaúchos no outono

Durante maio, o dia encurta e a convivência no galpão se fortalece. É tempo de mate compartilhado e roda de prosa.

Alguns dos costumes típicos do outono no Rio Grande do Sul incluem:

Troca dos arreios e revisão dos galpões;

Roda de chimarrão no fim da tarde, com conversa lenta e memória viva;

Preparo da lenha e das comidas campeiras de sustância;

Uso dos tradicionais ponchos de lã.

Sabores do campo: comida campeira de maio

Outono também é tempo de mesa farta. A culinária do Pampa ganha destaque com pratos quentes, ricos em sabor e história:

1. Entrevero de pinhão

Um prato típico da estação. Mistura carne de panela, linguiça campeira, legumes e o pinhão recém-colhido. Ideal pra esquentar os dias frios.

2. Carreteiro de charque

Feito na panela de ferro, é o sabor da estrada e do tropeirismo. Simples, forte e tradicional.

3. Sopa de capeletti

Presente em muitas famílias do interior, traz a influência italiana mesclada ao gosto gaúcho. Sopa quente, cheia de alma.


Quer aprender mais receitas? Confira mais receitas AQUI

Causos e memórias de maio

E como o Pampa não vive só de comida e costume, mas também de palavra, maio é tempo bom pra ouvir causos. Me lembro de um velho campeiro que dizia: “No outono, até o vento conta segredo nos galhos.”

O frio convida à introspecção, e a memória do gaúcho se acende junto com a brasa do fogo. Causos antigos circulam no mate, e a cultura oral se renova, sempre viva no presente.

Se tu gosta de um bom causo, deixa nos comentários 

Concluímos que entre o frio e a tradição, o Pampa vive. O outono no Pampa é mais do que mudança de clima. É símbolo de resistência, de cuidado com a terra, e de reencontro com a simplicidade do campo. É uma estação que acolhe, que une e que reforça o orgulho de ser gaúcho.

E aí, vivente, como tu vive o outono aí no teu rincão?

Conta nos comentários ou marca o @entreveroxucro no Instagram. Manda tua roda de mate, tua comida campeira ou aquele costume antigo que se mantém firme no teu rancho.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Biografia Gaúcha - José Cláudio Machado

José Cláudio Machado não foi apenas um cantor. Foi um símbolo do pampa, um trovador das querências, um intérprete que fez da sua voz uma extensão da alma campeira do Rio Grande do Sul. Seu legado permanece vivo na memória dos amantes da música nativista e nas canções que ainda ecoam nos galpões, nos rodeios e nos corações gaúchos.

Quem foi José Cláudio Machado?

Natural de Tapes (RS), José Cláudio Machado nasceu em 17 de novembro de 1948 e desde cedo demonstrou afinidade com as raízes culturais do seu povo. Ao longo de sua trajetória, consolidou-se como um dos maiores intérpretes da música regional sul-brasileira.

Com seu timbre rouco, arrastado e profundamente emocional, José Cláudio não apenas cantava o Rio Grande — ele era o Rio Grande em forma de música.



Início da Carreira

Sua primeira grande aparição no cenário nativista foi em 1972, durante a 2ª Califórnia da Canção Nativa, um dos festivais mais importantes da música regional. Com a canção “Pedro Guará”, conquistou o público e cravou seu nome na história da cultura gaúcha.

Antes da carreira solo, integrou grupos como Os Tapes, Os Teatinos e Os Serranos, com quem gravou o disco Isto É... Os Serranos (1986), ganhador de Disco de Ouro.

O Estilo Inconfundível

José Cláudio Machado foi muito mais que uma voz. Ele criou um estilo interpretativo único: calmo, reflexivo e profundamente carregado de sentimento. Seu canto lembrava uma prosa ao pé do fogo de chão — simples, mas carregada de verdade.

Esse estilo influenciou toda uma geração de artistas, ajudando a consolidar a milonga, a chamarra e outros ritmos regionais no cenário nacional.

Discografia Completa

Conheça os principais discos de José Cláudio Machado, verdadeiros tesouros da música nativista:

Recordando a Querência (1983)

Isto É... Os Serranos (1986)

Gaúcho (1987)

Fletes e Amores (1988)

Pedro Guará (1990)

Cantar Galponeiro (1990)

Milongueando uns Troços (1993, com Bebeto Alves)

Entre Amigos (1995)

Campesino (1997)

Acervo Gaúcho (1998)

Tapeando o Sombreiro (2000)

Em Espanhol (2001)

De Bota e Bombacha (2001, com Luiz Marenco)

Arranchado (2005)

No Meu Rancho – Acústico e ao Vivo (2008)

Ao Vivo em Vacaria (2009)

Canção do Gaúcho (2011)

Marcas (2012, com Valdo Nóbrega)

Canções Mais Marcantes

Algumas músicas de José Cláudio Machado se tornaram verdadeiros hinos da identidade sul-rio-grandense. Entre elas:

Pedro Guará

Pêlos

Poncho Molhado

Campesino

Milonga Abaixo de Mau Tempo

Chasque Prá Don Munhoz

Essas canções ainda emocionam peões, prenda e amantes do pago por onde são tocadas.

Legado Cultural

José Cláudio Machado faleceu em 12 de dezembro de 2011, aos 63 anos. Porém, sua obra permanece viva como parte essencial do patrimônio cultural gaúcho.

Foi também um dos idealizadores do Parque Harmonia, local tradicional dos Festejos Farroupilhas em Porto Alegre.

Em sua homenagem, uma estátua foi erguida em Guaíba, cidade onde viveu por mais de 30 anos, eternizando sua importância para a música e a cultura do Sul.

Por que José Cláudio Machado é eterno?

Porque soube traduzir o sentimento de uma terra inteira em melodia. Porque sua música fala de raízes, de campo, de verdade. E porque sua voz, mesmo em silêncio, ainda embala o espírito gaúcho.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

24 de Abril – Dia do Churrasco e do Chimarrão: descubra por que essa data celebra a alma gaúcha

Se você busca entender mais sobre a cultura do sul do Brasil, especialmente do Rio Grande do Sul, precisa conhecer o significado do Dia do Churrasco e do Chimarrão, celebrado em 24 de abril. Essa data homenageia duas tradições que fazem parte da identidade do povo gaúcho: o churrasco e o chimarrão.

Por que o dia 24 de abril foi escolhido?

O Dia do Churrasco e do Chimarrão foi oficializado no Rio Grande do Sul pela Lei Estadual nº 11.929, de 2003, com o objetivo de valorizar esses dois símbolos da cultura gaúcha. A escolha da data reforça o compromisso do estado em preservar e promover suas tradições mais autênticas.

A história do chimarrão: tradição indígena e símbolo de união

O chimarrão, bebida típica feita com erva-mate, tem origem nos povos indígenas, especialmente os guaranis. Com o tempo, foi incorporado à cultura gaúcha como um hábito diário e social. Passar a cuia de mão em mão é mais do que um gesto: é um ritual de confiança e hospitalidade. Confira Aqui um artigo completo.

O churrasco: do fogo de chão à mesa brasileira

O churrasco gaúcho surgiu no campo, entre os tropeiros e estancieiros dos pampas. A tradição de assar carne na brasa, muitas vezes em fogo de chão, atravessou séculos e hoje é parte essencial da culinária brasileira. No Rio Grande do Sul, o churrasco vai além da comida — é um encontro, uma celebração da vida.

Importância cultural e identidade regional

Tanto o chimarrão quanto o churrasco representam valores profundos do povo gaúcho: coletividade, respeito à tradição e orgulho regional. Celebrar o dia 24 de abril é reconhecer o valor histórico e afetivo dessas práticas.

O Dia do Churrasco e do Chimarrão é uma data especial para todos que valorizam a cultura gaúcha. Seja no campo ou na cidade, a cuia e o espeto continuam sendo símbolos de uma identidade forte e viva.

Se você ama a cultura do Rio Grande do Sul, compartilhe este conteúdo e ajude a manter viva a chama da tradição!

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quarta-feira, 16 de abril de 2025

Heróis Farroupilhas - Quem foi General Netto: O Proclamador da República Rio-Grandense

General Antônio de Souza Netto (1803–1866) foi uma das figura central na história do Brasil e a mais emblemáticas da história militar e política do Rio Grande do Sul no século XIX, especialmente no contexto da Revolução Farroupilha. Reconhecido por sua liderança militar e política na Revolução Farroupilha, sendo fundamental na proclamação da República Rio-Grandense, marcando um capítulo significativo na luta por autonomia e liberdade no sul do país.​ Ficou conhecido também por sua atuação nas guerras da Cisplatina, contra Aguirre e na Tríplice Aliança contra o Paraguai, Netto deixou um legado de bravura e idealismo republicano.

Origens e Formação

Nascido em 25 de maio de 1803, na estância Capão Seco, distrito de Povo Novo, município de Rio Grande, Netto era filho de José de Souza Neto e Teotônia Bueno. Sua ascendência incluía o português João Ramalho e a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá, destacando uma herança rica e diversificada. ​

Ascensão Militar e Revolução Farroupilha

Em 1835, como capitão da Guarda Nacional, Netto participou da reunião na Loja Maçônica Filantropia e Liberdade, em Bagé, que decidiu pelo início da Revolução Farroupilha. Destacou-se como comandante da primeira brigada do exército liberal republicano.​

Seu maior feito ocorreu em 10 de setembro de 1836, na Batalha do Seival, onde, à frente de 400 homens, derrotou as tropas imperiais comandadas por João da Silva Tavares. A vitória foi decisiva para a proclamação da República Rio-Grandense, realizada por Netto em 11 de setembro de 1836, no Campo dos Menezes. ​

Durante a ausência de Bento Gonçalves, preso na Bahia, Netto assumiu o comando interino do Exército Republicano. Com a volta de Bento, passou a exercer a função de Chefe do Estado-Maior do Exército da República Rio-Grandense. ​

Participação em Outras Guerras

Após a assinatura da Paz de Ponche Verde, em 1845, Netto exilou-se no Uruguai, onde estabeleceu-se como estancieiro. Em 1851, retornou à luta na Guerra contra Rosas, organizando, às suas próprias custas, uma brigada de Voluntários Rio-Grandenses, o que lhe valeu a promoção a brigadeiro honorário do Exército Brasileiro. ​

Participou também da Guerra contra Aguirre, em 1864, e da Guerra do Paraguai, onde comandou uma Brigada de Cavalaria Ligeira de Voluntários. Destacou-se na vanguarda do Exército Brasileiro, sob o comando do General Osório, sendo um dos primeiros a pisar em solo paraguaio durante a invasão pelo Passo da Pátria, em 16 de abril de 1866. ​

Morte e Legado

Na Batalha de Tuiuti, em 24 de maio de 1866, a maior batalha campal da América do Sul, Netto teve papel crucial na defesa do flanco esquerdo das tropas brasileiras. Durante o combate, foi ferido e transferido para um hospital em Corrientes, na Argentina, onde faleceu em 2 de julho de 1866, aos 63 anos. ​

Em 1966, no centenário de sua morte, seus restos mortais foram trasladados para um mausoléu em Bagé, cidade que tanto prezava.​

Representações Culturais

A vida de Netto inspirou obras na literatura e no cinema. O escritor Tabajara Ruas publicou o romance "Netto perde sua alma" em 1998, adaptado para o cinema em 2001. Além disso, Netto foi retratado por Tarcísio Filho na minissérie "A Casa das Sete Mulheres" (2003).​





sexta-feira, 11 de abril de 2025

Quem foi Sepé Tiaraju?

Sepé Tiaraju é uma das figuras mais emblemáticas da história do Brasil e do Rio Grande do Sul. Líder indígena guarani, ele se destacou por sua coragem, liderança e resistência frente à opressão colonial no século XVIII. Sua vida é um testemunho da luta dos povos originários pela preservação de suas terras, cultura e liberdade.

Origens e Primeiros Anos

Sepé nasceu por volta de 1723 na região de Rio Pardo, atual estado do Rio Grande do Sul. Pertencia ao povo guarani e provavelmente cresceu em uma das Missões Jesuíticas — aldeamentos organizados por padres da Companhia de Jesus com o objetivo de evangelizar os indígenas e protegê-los das incursões bandeirantes.

Nessas comunidades, os guaranis viviam sob forte influência cristã, mas mantinham sua organização social própria. Aprendiam técnicas de agricultura, pecuária, artesanato e também disciplina militar, que mais tarde seriam fundamentais na resistência armada.

Vida Adulta e Liderança

Sepé destacou-se como líder militar e espiritual entre os guaranis. Era corregedor do povo de São Miguel Arcanjo, uma das principais reduções jesuíticas do território conhecido como Sete Povos das Missões. Era respeitado não apenas por seu carisma e fé cristã, mas também por sua habilidade estratégica.

O convívio com os jesuítas lhe proporcionou conhecimento em táticas militares, diplomacia e organização social. Esses fatores o tornaram uma figura central na resistência indígena frente às pressões impostas pelas potências coloniais.

A Guerra Guaranítica e a Resistência

O estopim para a revolta liderada por Sepé ocorreu com o Tratado de Madri, assinado entre Portugal e Espanha em 1750. O acordo previa a entrega dos Sete Povos das Missões ao controle português, exigindo a retirada forçada dos guaranis que ali viviam.

Indignado, Sepé Tiaraju organizou a resistência indígena contra as forças luso-espanholas. É dele a célebre frase “Esta terra tem dono!”, que se tornou símbolo da luta pela terra no Brasil. Comandando um exército indígena, enfrentou durante anos as tropas inimigas.

Morte e Legado

Sepé Tiaraju foi morto em 7 de fevereiro de 1756, em um confronto contra as tropas inimigas nas proximidades de São Gabriel (RS), dias antes da sangrenta Batalha de Caiboaté, onde cerca de 1.500 indígenas perderam a vida.

Mesmo após sua morte, Sepé transformou-se em símbolo da resistência indígena e da identidade missioneira. Em 2005, foi declarado “Herói Guarani Missioneiro Rio-grandense” pela Assembleia Legislativa do RS, e em 2009, reconhecido como “Herói Nacional Brasileiro”

Conclusão

Sepé Tiaraju não foi apenas um guerreiro; foi um símbolo de resistência, fé e liderança. Sua história inspira movimentos sociais até hoje e nos convida a refletir sobre a importância da luta indígena pela terra e pela memória cultural.

Ao recordar sua trajetória, lembramos que esta terra, de fato, tem dono — e ele deve ser respeitado.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Chimarrão: Tradição, História e Cultura Gaúcha

O chimarrão é muito mais do que uma simples bebida quente; ele representa um ritual de hospitalidade, um símbolo de amizade e uma tradição enraizada na cultura do Rio Grande do Sul. Sua história remonta às práticas dos povos indígenas e atravessa séculos de transformações sociais e culturais. Vamos explorar desde suas origens até sua presença no dia a dia dos gaúchos.


As Origens Indígenas: O Primeiro Contato com a Erva-Mate

Muito antes da chegada dos colonizadores europeus, os povos indígenas que habitavam a região sul da América do Sul, especialmente os Guaranis, já utilizavam a erva-mate (Ilex paraguariensis). Eles acreditavam que essa planta tinha propriedades medicinais e espirituais. O consumo era feito de diversas formas, incluindo mastigar as folhas e preparar infusões em água quente, o que deu origem ao que hoje conhecemos como chimarrão.


A Proibição Jesuítica e a Redescoberta

Com a chegada dos jesuítas, que buscavam catequizar os povos indígenas, houve um período de proibição do consumo da erva-mate. Os religiosos temiam que o uso estivesse ligado a práticas pagãs e até mesmo que tivesse efeitos negativos sobre a saúde. No entanto, ao perceberem que a erva ajudava a reduzir o consumo de bebidas alcoólicas e aumentava a disposição dos nativos, acabaram por adotar e incentivar seu uso.

Dessa forma, os jesuítas contribuíram para a disseminação do consumo do chimarrão, aperfeiçoando técnicas de cultivo e colheita da erva-mate, além de introduzirem o costume entre os colonos europeus.


A Consolidação como Hábito e Tradição

Ao longo dos séculos, o chimarrão passou a ser uma parte essencial do cotidiano gaúcho. Mais do que uma simples bebida, tornou-se um símbolo de convivência e tradição. Beber chimarrão é um ato de hospitalidade, e a roda de mate é uma prática social valorizada até os dias de hoje.


O Chimarrão na Legislação

A importância cultural do chimarrão é reconhecida até mesmo em leis estaduais e federais. No Rio Grande do Sul, o Dia do Chimarrão e do Churrasco foi instituído pela Lei Estadual nº 11.929, sendo comemorado em 24 de abril. Em nível nacional, a Política Nacional da Erva-Mate foi sancionada em 2019, incentivando o desenvolvimento da cadeia produtiva da erva-mate no Brasil.


Produção e Regiões Produtoras de Erva-Mate

O Brasil é um dos maiores produtores de erva-mate do mundo, sendo os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul os principais polos produtivos. Em 2023, a produção brasileira ultrapassou 737 mil toneladas. A erva-mate também é exportada para países como Argentina, Uruguai, Paraguai e até mercados europeus, onde cresce o interesse por bebidas naturais e energéticas.


Os Tipos de Erva-Mate

Existem diversas classificações de erva-mate, que variam conforme o processo de produção:

Erva-mate tradicional: Moída fina, com alto teor de pó, muito usada no chimarrão gaúcho.

Erva-mate moída grossa: Menos pó e folhas maiores, comum em algumas regiões do Paraná.

Erva-mate peneirada: Com menos resíduos, mais uniforme, popular para exportação.


O Chimarrão na Cultura e na Música

A presença do chimarrão na cultura gaúcha é evidente na música, na poesia e na literatura. Muitos versos tradicionalistas exaltam o chimarrão como um elemento essencial da identidade sulista. Cantores como Vítor Ramil e grupos de música nativista frequentemente mencionam o mate em suas composições, reforçando seu papel na cultura regional.


Mitos e Verdades sobre o Chimarrão

Mito: O chimarrão faz mal para o estômago.

Verdade: Se consumido moderadamente, ele pode até auxiliar na digestão.

Mito: Compartilhar chimarrão é anti-higiênico.

Verdade: O ritual de passar a cuia faz parte da tradição, e a higiene depende dos cuidados individuais.


Os 10 Mandamentos do Chimarrão

1. Não se pede açúcar no mate. Chimarrão de verdade é puro.

2. Não se diz que o mate está muito quente. Faz parte da experiência.

3. Não se mexe na bomba. Isso pode entupir o mate.

4. Não se deixa um mate pela metade. Se aceitou, beba até o fim.

5. O ronco no fim do mate não é falta de educação. Apenas sinaliza que terminou.

6. O dono da casa sempre toma o primeiro mate. É um gesto de hospitalidade.

7. O mate deve seguir a ordem da roda. Não se quebra a sequência.

8. Não se apressa a roda. Cada um tem seu tempo para saborear.

9. Não se dorme com a cuia na mão. Se recebeu, beba e passe adiante.

10. Não se desvaloriza o chimarrão. Ele é parte da identidade cultural dos gaúchos.

O chimarrão é mais do que uma bebida: é um legado histórico e um símbolo de identidade. Seu consumo transcende gerações e continua sendo uma tradição viva, que representa a hospitalidade, a cultura e a união dos povos do Sul.



sábado, 29 de março de 2025

A Chama Crioula e o nascimento da Semana Farroupilha

Era uma tarde de setembro de 1947 quando um grupo de jovens estudantes do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, decidiu dar um passo fundamental na preservação das tradições gaúchas. Entre eles estava um jovem visionário chamado João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, que, ao lado de seus colegas Barbosa Lessa, Cyro Dutra, Fernando Machado Vieira, Flávio Krebs, Glaucus Saraiva, Ivo Sanguinetti e Wilmar Santana, concebeu a ideia de resgatar e valorizar a cultura do Rio Grande do Sul de uma forma inédita.

Inspirados pelo sentimento de pertencimento e pela necessidade de exaltar a identidade gaúcha em meio à modernização do Brasil, esses estudantes fundaram o Departamento de Tradições Gaúchas (DTG) dentro do grêmio estudantil do colégio. A iniciativa buscava resgatar costumes, celebrar a cultura regional e incentivar o conhecimento da história da Revolução Farroupilha. Mas a ideia logo se expandiria para algo maior.

A busca pela chama e o nascimento de um símbolo

A primeira grande ação desse grupo ocorreu no dia 7 de setembro daquele ano. Aproveitando as comemorações da Independência do Brasil, os estudantes solicitaram à Liga de Defesa Nacional uma centelha do Fogo Simbólico da Pátria, chama que ardia na Pira da Pátria, no Parque Farroupilha. A intenção era criar um novo símbolo para o tradicionalismo gaúcho.

Com a autorização concedida, Paixão Côrtes, montado a cavalo e empunhando um archote¹ improvisado, conduziu a centelha até o Colégio Júlio de Castilhos. Ali, acendeu um candeeiro crioulo, dando origem à primeira Chama Crioula, que se tornaria um dos maiores emblemas das tradições gaúchas.

O simbolismo desse ato foi imediato. Durante os dias seguintes, a chama permaneceu acesa dentro do colégio, iluminando não apenas o local, mas também os corações daqueles que queriam manter viva a essência cultural do Rio Grande do Sul. O gesto inspirou uma série de eventos que culminariam na criação da Semana Farroupilha.

O crescimento da tradição e a primeira Ronda Crioula

Durante os dias que antecederam o 20 de setembro, data que marca o início da Revolução Farroupilha, os jovens organizaram a primeira Ronda Crioula, uma série de atividades culturais que incluíam apresentações de dança, declamações de poesias, encontros de gaiteiros e debates sobre a história do estado.

A celebração culminou em um evento marcante: o primeiro baile tradicionalista da história, realizado no Teresópolis Tênis Clube. O jantar foi servido com pratos típicos como churrasco, pastel de carreira e o clássico café de chaleira. No salão, homens vestiam bombachas e lenços farroupilhas, enquanto as mulheres desfilavam seus vestidos de prenda.

A iniciativa dos estudantes logo se espalhou e, nos anos seguintes, diversos grupos tradicionalistas passaram a repetir o ritual da Chama Crioula, realizando cavalgadas para buscar e distribuir a centelha pelo Rio Grande do Sul. Em 1954, a data foi oficializada pelo governo estadual e a Semana Farroupilha tornou-se um evento consolidado no calendário gaúcho.

O legado de um movimento estudantil

O que começou como um gesto simbólico de jovens idealistas transformou-se na maior celebração da cultura gaúcha. A Semana Farroupilha, hoje, atrai milhares de pessoas para desfiles, acampamentos e atividades culturais, mantendo viva a história e a identidade do Rio Grande do Sul.

Graças à coragem e à paixão de Paixão Côrtes e seus colegas, a Chama Crioula segue ardendo como um lembrete de que a tradição gaúcha não é apenas uma lembrança do passado, mas um compromisso vivo com o futuro.

1 - Utensílio de iluminação, usado principalmente ao ar livre, que consiste essencialmente em um pedaço de corda untado de breu que se acende para iluminar; facho, teda, teia, tocha.


segunda-feira, 3 de março de 2025

Cinema no Rio Grande do Sul

Com toda a repercussão do Oscar no último domingo (02/03), resolvemos trazer aqui um pouco do cinema regional do Rio Grande do Sul, como nosso foco é o regional e a cultura local, vamos apresentar aqui algumas produções que marcaram época e mostraram o dia dia cultural no nosso estado. Claro que sempre que falamos de cinema gaúcho, sempre vamos lembrar dos filmes do Teixeirinha que marcou época e inclusive com repercussão nacional.

Além dos filmes do saudoso Teixeirinha, tivemos a série da Globo A Casa das sete mulheres e o tema O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo que talvez tenha sido o livro mais reproduzido no cinema e na televisão, incluindo ainda outros livros do Arquipélago.

Conheça abaixo alguns filmes que contam o cotidiano e/ou a história do nosso estado.

O TEMPO E O VENTO (2013)

O Tempo e o Vento, filme ambientado no final do século XIX, se passa no Rio Grande do Sul, onde as famílias Amaral e Terra-Cambará são inimigas históricas na cidade de Santa Fé. A história começa quando o sobrado dos Terra-Cambará é cercado pelos Amaral, forçando todos os membros da família a se defenderem com as armas que têm à disposição. A vigília dura vários dias, o que faz com que os recursos, como comida, comecem a escassear.

Dentro do sobrado, está Bibiana (Fernanda Montenegro), matriarca da família, que recebe a visita de seu falecido esposo, o capitão Rodrigo (Thiago Lacerda). Juntos, eles relembram a história do amor que viveram e de como a família Terra-Cambará surgiu, enquanto enfrentam o cerco e a luta pela sobrevivência.

O filme é uma adaptação do clássico romance de Erico Veríssimo, retratando não apenas o conflito entre as famílias, mas também os laços de amor e a memória histórica da região.

Ainda tivemos uma minissérie das mesmas gravações exibida na tv e outra em 1985.

UM CERTO CAPITÃO RODRIGO (1971)

Entre os grandes clássicos do cinema nacional, Um Certo Capitão Rodrigo se destaca, especialmente pelo seu compromisso com a autenticidade histórica. Quase como um documentário, o filme impressiona pelo rigor na reconstrução de cenários, figurinos e costumes. Desde a escolha das locações – com filmagens realizadas nos casarões de arquitetura portuguesa de General Câmara, Triunfo e Santo Amaro – até os mínimos detalhes culturais, tudo foi cuidadosamente planejado sob a exigente direção de Anselmo Duarte.

O projeto original previa Tônia Carrero como protagonista, mas, devido ao adiamento da produção ao longo dos anos, a ideia precisou ser reformulada. O elenco final contou com Francisco Di Franco no papel de Capitão Rodrigo, ao lado de Newton Prado, Pepita Rodrigues e do folclorista João Carlos Paixão Côrtes, que interpretou Pedro Terra, pai de Bibiana. Além disso, Paixão Côrtes atuou como “consultor de costumes”, garantindo a fidelidade histórica do filme. A grandiosidade da produção envolveu também 400 cavaleiros e mais de 300 figurantes.

A trama é bem conhecida, baseada nos trechos clássicos de O Tempo e o Vento: Rodrigo Cambará, um aventureiro carismático, chega à pacata Santa Fé, conquista o coração da jovem Bibiana Terra e, ao mesmo tempo, desperta rivalidades na cidade, desencadeando grandes conflitos.

ANA TERRA (1971)

Assim como Um Certo Capitão Rodrigo, este filme já era um projeto antigo do produtor paulista Alberto Ruschel, idealizado junto a Tônia Carrero ainda nos tempos da Companhia Vera Cruz. No entanto, a produção não saiu do papel até ser finalmente concretizada anos depois. Baseado no clássico personagem criado por Érico Veríssimo em O Tempo e o Vento, Ana Terra traz uma adaptação cinematográfica de uma parte distinta da história, diferenciando-se dos filmes anteriores.

Classificado como um drama histórico brasileiro, o filme foi rodado em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. A trilha sonora conta com composições do gaúcho Carlos Castilho, conhecido sapateador, cantor e compositor, que também atua no longa e chega a dançar alguns passos de Chula.

A narrativa se passa no final da década de 1770, ainda no período imperial, logo após a destruição das missões jesuítas. O fazendeiro bandeirante Manuel Terra parte com sua esposa Henriqueta e seus filhos Ana, Antônio e Horácio para a região de fronteira, onde estabelece uma estância de criação de gado. No entanto, a família vive sob constante ameaça, seja por bandoleiros armados, grupos indígenas sobreviventes das missões ou pelo risco de invasões vindas de países vizinhos. Para se proteger, Manuel conta apenas com seus filhos e, ocasionalmente, com a ajuda de milícias locais, entre elas uma liderada pelo Major Pinto Bandeira.

Em determinado momento, a família socorre um mestiço ferido a tiros, Pedro Missioneiro, planejando enviá-lo embora assim que ele se recuperasse. No entanto, Pedro decide permanecer na estância, tornando-se um ajudante valioso nos serviços e domas. Além disso, ele fascina Ana Terra com seus conhecimentos religiosos, sua arte e a alfabetização que adquiriu na missão jesuítica. O envolvimento entre os dois cresce e Ana acaba engravidando, dando continuidade à saga exatamente como descrita na obra de Érico Veríssimo.

O SOBRADO (1956)

Lançado em 1956, este filme é um clássico do cinema nacional e faz parte da saga O Tempo e o Vento. Classificado como drama, O Sobrado desenvolve sua narrativa a partir do cerco à residência de Licurgo Terra-Cambará, que se encontra isolada pelas forças dos maragatos.

Os adversários, prestes a serem derrotados, precisam abandonar a cidade, mas mantêm o cerco devido à rivalidade entre os Amaral e Licurgo, um conflito antigo que se reflete na insistência dos atacantes.

Dentro do sobrado, a família de Licurgo e seus capangas enfrentam dificuldades extremas, como escassez de água, comida e assistência médica. A trama é marcada por uma narrativa fragmentada, interrompida por longos trechos que remetem ao passado da família Terra-Cambará, prolongando ainda mais a resolução da história.

Um detalhe interessante do filme é a cena da Chula, que ganha destaque como uma manifestação cultural. Além disso, esta produção foi a primeira a registrar a dança sendo executada sobre uma lança, uma adaptação criada dentro do contexto da guerra, sem referência histórica comprovada.

Com um elenco de peso, incluindo Lima Duarte, Fernando Baloroni e Bárbara Parisi, O Sobrado se consagrou como uma obra marcante do cinema brasileiro

CORAÇÃO DE LUTO (1973)

“Coração de Luto” é um drama musical que traz à tona a trajetória de um homem devastado pela dor e pela perda. A história se passa na década de 1970 e é centrada no personagem de Teixeirinha, interpretado pelo próprio cantor. Ele dá vida a um homem marcado pela morte da esposa, cuja partida deixa um vazio profundo em seu coração. Desolado, ele se vê preso a lembranças e à saudade da mulher que amava.

O filme explora a dor da perda e o sofrimento de quem fica para trás, enquanto o personagem tenta encontrar uma maneira de lidar com a tragédia e seguir adiante. O enredo se desenrola com bastante emoção e sentimento, refletindo na tela a profundidade da música e da cultura gaucha, com destaque para a interpretação de Teixeirinha e suas canções, que tornam a narrativa ainda mais tocante.

TROPEIRO VELHO (1978)

Tropeiro Velho é um drama que narra a história de um homem já idoso, que vive em uma época de grandes mudanças, refletindo sobre sua vida como tropeiro. O personagem principal, interpretado por José Maia, é um homem simples e resiliente, que dedicou sua vida ao transporte de mercadorias através das trilhas do interior do Rio Grande do Sul. À medida que envelhece, o tropeiro se vê confrontado com a modernização que ameaça sua forma de viver e de trabalhar, ao mesmo tempo em que lida com as memórias e as dificuldades de um passado que não pode mais ser revivido.

A história explora o desgaste físico e emocional do tropeiro, que, apesar da idade avançada, ainda sente a necessidade de seguir sua jornada, enfrentando as intempéries e os desafios da vida rural. O filme é uma reflexão sobre o fim de uma era e a resistência de um homem que, embora envelhecido, se recusa a abandonar seu legado e as tradições que marcaram sua vida e a história do Rio Grande do Sul.

ANITA E GARIBALDI (2013)

O filme Anita e Garibaldi se passa durante a Revolução Farroupilha (1835–1845) e conta a história de Giuseppe Garibaldi (Gabriel Braga Nunes), um comandante de 32 anos dos rebeldes republicanos, que invade a cidade de Laguna, em Santa Catarina. Durante essa jornada, ele encontra sua alma gêmea, Anita (Ana Paula Arósio), uma jovem de 18 anos, esposa de um sapateiro local.

Entre a paixão que nasce entre eles e as batalhas pela liberdade, o filme explora como o amor de Anita e Garibaldi influencia não apenas suas vidas, mas também o curso da revolução. A união dos dois se torna um marco tanto na história pessoal dos personagens quanto no contexto histórico da Guerra dos Farrapos.

Rodado entre 2005 e 2006, com locações em São Francisco do Sul e Lages, o filme busca reconstituir o cenário histórico de forma envolvente, destacando a luta pela liberdade e a força de uma mulher que se torna símbolo de resistência.

CERRO DO JARAU (2004)

O filme Cerro do Jarau narra a história de três primos que cresceram em um lugar mágico do sul do Brasil, conhecido como o Cerro do Jarau. Desde a infância, os três foram influenciados pela lenda de uma princesa aprisionada em uma caverna, Teiniaguá. Dentre os primos, a menina é a mais corajosa e aquela que, ainda jovem, ousou desafiar as histórias místicas sobre o local.

Com o tempo, os primos crescem e a jovem, agora casada, vai ajudar o marido na administração de um clube. No entanto, quando o novo dono do estabelecimento se recusa a pagar o que deve, o marido acaba sendo pressionado por um criminoso a saldar uma dívida, o que o leva a cometer um assalto. Sentindo-se traída e humilhada, a mulher decide fugir com o dinheiro e retornar ao Cerro do Jarau, onde reencarnam antigas lendas e onde ela encontrará novas revelações sobre seu passado e as histórias que marcaram sua infância.

NETTO PERDE SUA ALMA (2001)

Primeira experiência do escritor Tabajara Ruas na direção de um longa-metragem, Netto Perde Sua Alma foi realizado em parceria com Beto Souza. O filme é uma adaptação do livro homônimo do próprio Ruas e narra a trajetória do General Antônio de Souza Netto, figura histórica brasileira. Gravemente ferido por uma bala durante a Batalha de Tuiuti, na Guerra do Paraguai, em maio de 1866, Netto é encaminhado para um hospital de campanha na cidade de Corrientes, na Argentina.

Ali, enquanto se recupera, começa a perceber acontecimentos inquietantes. Entre eles, o capitão de Los Santos, que acusa o cirurgião do hospital de ter amputado suas pernas sem necessidade. Além disso, Netto reencontra o sargento Caldeira, um antigo companheiro de guerra e ex-escravizado, com quem lutou na Revolução Farroupilha décadas antes. Ao lado de Caldeira, Netto revisita suas memórias, recordando sua participação na guerra, seu encontro com Milonga – jovem escravizado que se alistou no Corpo de Lanceiros Negros – e o período de exílio que passou no Uruguai.

Um filme que mergulha na história brasileira e na trajetória de um dos grandes personagens do século XIX.

NETTO E O DOMADOR DE CAVALOS (2008)

Na sequência de Netto Perde Sua Alma (2001), Netto e o Domador de Cavalos, dirigido por Tabajara Ruas, traz uma releitura contemporânea da lenda do Negrinho do Pastoreio, uma das mais populares do Rio Grande do Sul, e também narra mais sobre a história do herói farroupilha Antônio de Souza Netto (interpretado por Werner Schünemann).

Situado na América do Sul em 1835, durante o Império Brasileiro ainda escravocrata, o filme retrata Netto como um republicano que luta pela liberdade dos negros, enfrentando a tirania e a opressão. O general foi um herói das Guerras de Fronteira no Sul do Brasil no século XIX.

A história se desenrola no início da Guerra dos Farrapos, quando Netto descobre que seu antigo companheiro de guerra, Índio Torres (Tarcísio Filho), está preso. Para libertá-lo, ele se alia a escravos rebeldes, incluindo Negrinho (Evandro Elias), considerado o melhor cavaleiro da região.

O filme faz parte de uma trilogia, e um novo capítulo, intitulado Netto nos Braços da Moura, está previsto para dar continuidade à saga. No Festival de Cinema de Gramado de 2001, o primeiro filme da trilogia foi premiado com quatro Kikitos, o principal prêmio do maior festival de cinema do Brasil.

PAIXÃO GAÚCHO (1957)

Este é mais um grande clássico do cinema nacional, embora ainda pouco conhecido pelo público. Paixão Gaúcho tem seu roteiro completamente baseado e adaptado a partir do livro O Gaúcho, de José de Alencar, publicado em 1870. A trama se passa em 1836 e acompanha a forte amizade entre dois homens, que se vê ameaçada quando ambos se apaixonam pela mesma mulher. Com o início da Guerra dos Farrapos, os antigos amigos acabam em lados opostos, e a disputa pelo amor da jovem apenas intensifica o conflito entre eles.

A trilha sonora conta com algumas canções de Barbosa Lessa, incluindo Chimarrita Cafuné. O próprio Lessa foi convidado pelo diretor Walter George Dust (o mesmo de O Sobrado) para atuar como “consultor de costumes” da produção. No entanto, por estar cumprindo um estágio obrigatório como aspirante no IX Regimento de Cavalaria de São Gabriel, indicou seu primo Sady para a função. Ainda assim, conseguiu participar dos últimos dias de gravação e até mesmo da cena do casamento, onde dançou o Anú, dança recém-publicada por ele e Paixão Côrtes naquele ano.

Lima Duarte, que já havia participado de O Sobrado, retorna neste filme, interpretando com maestria um gaúcho campechano. Ele divide cena com a cantora Inhána, responsável por interpretar as músicas compostas por Lessa para a trilha sonora.

PÁRA PEDRO! (1969)

Lançado em 1969, este foi um dos primeiros filmes coloridos a retratar os regionalismos gaúchos. Pára Pedro! é uma comédia inspirada na famosa canção homônima de José Mendes, que até hoje é lembrada e cantada em todo o Brasil.

A trama se desenrola na região de Vacaria e arredores, acompanhando Pedro, que se vê obrigado a fugir da cidade após um desentendimento com o secretário de um político local, candidato a deputado. O motivo da confusão envolve um mal-entendido relacionado à sua namorada, Rosário, e sua madrinha, que nunca aprovou o relacionamento dos dois. Sem entender as razões da fuga de Pedro, Rosário decide agir por conta própria e contrata um pistoleiro para trazê-lo de volta, dando início a uma série de situações cômicas e inesperadas.

Com roteiro de Antônio Augusto Fagundes, o filme captura com autenticidade a vida do gaúcho serrano, destacando seus costumes, tradições e até a arquitetura local. Uma obra divertida e cheia de identidade cultural, que vale a pena conferir

NÃO APERTA APARÍCIO! (1970)

Este filme, lançado em 1970, também traz José Mendes como protagonista e é inspirado em uma de suas canções mais conhecidas, que leva o mesmo nome. As filmagens ocorreram na região de Dom Pedrito e na Base Aérea de Canoas, contando com um elenco de peso, incluindo Grande Otélo, José Lewgoy, Angelito Mello e Edson Acri, que, mais uma vez, contribuiu com seus desenhos na abertura.

A história acompanha o Coronel Amaro Silva, um grande criador de gado e dono de uma imensa estância no interior de Dom Pedrito. Seu filho, Aparício, trabalha como capataz da propriedade, sempre acompanhado do negrinho Tonico (personagem interpretado por Grande Otélo), afilhado do coronel.

A situação muda com a chegada de um novo vizinho, o Dr. Azevedo, que adquire terras ao lado da estância. Com ele, vem sua filha Aurora, que acaba conhecendo Aparício e iniciando um romance com ele. No entanto, o clima de amor logo dá lugar a um grande problema: parte do gado do Dr. Azevedo é roubada e Aparício é acusado injustamente, já que os verdadeiros ladrões deixaram pistas falsas para incriminá-lo. Agora, ele precisa lutar para provar sua inocência.

ANAHY DE LAS MISIONES (1997)

Este drama retrata a jornada de Anahy, uma mulher errante, descendente de guaranis (o que seu próprio nome já sugere), que atravessa os campos da Província durante a Revolução Farroupilha. Acompanhada de seus quatro filhos – Teobaldo, Leonardo, Luna e Solano –, do revoltoso Manuel e da prostituta Picumã, ela percorre os campos de batalha recolhendo trajes, pertences e qualquer tipo de valor dos soldados caídos, repassando-os a outros combatentes, sem distinção de lado.

Dirigido por Sérgio Silva e produzido por Gisele Hilti, o filme se destaca pela cuidadosa reconstrução histórica, desde as locações até figurinos e objetos de época, fruto de um extenso trabalho de pesquisa da equipe. O elenco reúne grandes nomes do cinema brasileiro, como Dira Paes, Marcos Palmeira, Matheus Nachtergaele, Paulo José e Araci Esteves, que dá vida à protagonista.

O QUATRILHO (1995)

A trama de O Quatrilho se desenrola em 1910, em uma comunidade rural situada na serra do Rio Grande do Sul, onde dois casais muito amigos vivem juntos, compartilhando a mesma casa e enfrentando, juntos, as dificuldades da vida. No entanto, a rotina desses casais muda quando a esposa de um deles começa a se envolver com o marido do outro e decide fugir com ele.

A maior parte das filmagens do filme foi realizada na cidade de Farroupilha, com destaque para cenas que mostram a beleza da Cascata do Salto do Ventoso e o tradicional caminho de pedras, que servem como um cenário natural impactante.

Esta é a nossa sugestão de cinema no Rio Grande do Sul, faltou algum, pode contribuir nos comentários. E tu que é de fora do nosso estado e tem um filme regional para contribuir para nós, fica a vontade tchê, todas culturas regionais são bem vindas.

sábado, 1 de março de 2025

A paz do Ponche Verde - O Fim da Revolução Farroupilha

O Tratado de Ponche Verde, também chamado de Convenção de Ponche Verde ou Paz de Ponche Verde, marcou o encerramento da Revolução Farroupilha, selando infelizmente a reincorporação do território da República Rio-Grandense (considerada rebelde) ao Império do Brasil sob o governo de Dom Pedro II. No final de fevereiro de 1845, os termos da pacificação foram levados à análise dos líderes farroupilhas, já assinados pelo Barão de Caxias. O general David Canabarro, comandante-em-chefe do Exército Republicano, aceitou os termos em nome da República Rio-Grandense. A data oficial da assinatura é aceita como 1º de março de 1845, quando  foi oficialmente anunciada a paz no Acampamento Imperial de Carolina, em Poncho Verde.

A região de Ponche Verde, nomeada assim pelos vastos campos verdejantes ideais para a criação de gado, corresponde hoje ao município de Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul. Foi ali que os líderes republicanos e as forças imperiais selaram um acordo que, ao menos no papel, garantiria anistia e direitos aos combatentes farroupilhas.

Embora o tratado tenha determinado o fim formal da República Rio-Grandense, seu legado permanece vivo na identidade do Rio Grande do Sul. A bandeira e o brasão do estado preservam os símbolos da república revolucionária, assim como outros estados brasileiros mantêm referências a movimentos emancipatórios em seus símbolos cívicos.

Além disso, diversas cidades gaúchas carregam nomes de figuras históricas da Revolução Farroupilha, como Bento Gonçalves, Garibaldi e Farroupilha. Porto Alegre, por sua resistência ao cerco farroupilha, recebeu do próprio D. Pedro II o título de "Mui Leal e Valerosa".

Os Bastidores da Pacificação

No final de 1844, já estava claro que a resistência farroupilha se enfraquecia e havia o desgaste do conflito e dificuldade em sustentar a guerra. Com isso o próprio Imperador Dom Pedro II buscou uma solução conciliatória e expediu um decreto confidencial em 18 de dezembro daquele ano, concedendo ao Barão de Caxias poderes para negociar a paz. O documento deixava claro que os farrapos, antes vistos como traidores, seriam recebidos com clemência caso aceitassem depor as armas.

No documento, ficava clara a disposição imperial de perdoar os insurgentes. Em um dos trechos do decreto, o imperador afirmava que os revoltosos, embora tivessem desafiado as leis do Império, mereciam sua "paternal proteção", concedendo-lhes plena anistia e garantindo que não seriam perseguidos pelos atos cometidos durante a guerra.

O artigo 2º desse decreto imperial dizia:

“Recorrendo à minha imperial clemência aqueles de meus súditos que, iludidos e desvairados, têm sustentado na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul uma causa atentatória da Constituição (...), concedo-lhes plena e absoluta anistia, para que nem judicialmente, nem de outra forma, possam ser perseguidos.” Ou seja, o Império buscava encerrar o conflito sem retaliações formais contra os rebeldes – ao menos, era isso o que se prometia.

O acordo estabelecia 12 cláusulas, sendo elas:

Art. 1° - Fica nomeado Presidente da Província o indivíduo que for indicado pelos republicanos.

Art. 2° - Pleno e inteiro esquecimento de todos os atos praticados pelos republicanos durante a luta, sem ser, em nenhum caso, permitida a instauração de processos contra eles, nem mesmo para reivindicação de interesses privados.

Art. 3° - Dar-se-á pronta liberdade a todos os prisioneiros e serão estes, às custas do Governo Imperial, transportados ao seio de suas famílias, inclusive os que estejam como praça no Exército ou na Armada.

Art. 4° - Fica garantida a Dívida Pública, segundo o quadro que dela se apresente, em um prazo preventório.

Art. 5° - Serão revalidados os atos civis das autoridades republicanas, sempre que nestes se observem as leis vigentes.

Art. 6° - Serão revalidados os atos do Vigário Apostólico.

Art. 7° - Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam.

Art. 8° - Os oficiais republicanos não serão constrangidos a serviço militar algum; e quando, espontaneamente, queiram servir, serão admitidos em seus postos.

Art. 9° - Os soldados republicanos ficam dispensados do recrutamento.

Art. 10° - Só os Generais deixam de ser admitidos em seus postos, porém, em tudo mais, gozarão da imunidade concedida aos oficiais.

Art. 11° - O direito de propriedade é garantido em toda plenitude.

Art. 12° - Ficam perdoados os desertores do Exército Imperial.

Com o tratado firmado, David Canabarro emitiu uma proclamação aos farrapos no dia 28 de fevereiro de 1845, declarando o fim da guerra:

"Concidadãos! A guerra civil que há mais de nove anos devasta este belo país está acabada. Podeis volver tranquilos ao seio de vossas famílias. Vossa segurança individual e vossa propriedade estão garantidas pela palavra sagrada do monarca." Fica a questão, foi ou não foi traição nos Porongos?

O clima de conciliação, no entanto, escondia contradições que logo ficariam evidentes. Embora o acordo garantisse anistia e direitos aos farrapos, muitas cláusulas foram descumpridas:

Os republicanos não puderam indicar o presidente da província, e o próprio Barão de Caxias foi nomeado senador do Império.

Não há registros que comprovem o pagamento das compensações financeiras prometidas aos líderes farroupilhas. Antônio Vicente da Fontoura, responsável pela negociação, relatou que a distribuição dos valores foi caótica, marcada por disputas e suspeitas de corrupção.

Nem todos os escravizados que lutaram pelo Exército Farroupilha foram libertos. Muitos foram devolvidos aos antigos senhores, outros vendidos no Rio de Janeiro. Os Lanceiros Negros, um dos grupos mais emblemáticos da revolução, foram traídos e massacrados na Batalha de Porongos.

A pacificação não apagou completamente as feridas do conflito. Rivalidades entre os antigos aliados farroupilhas permaneceram, resultando, anos depois, em novos embates políticos e até mesmo em assassinatos, como o de Vicente da Fontoura, morto em 1860 por opositores. Essas divisões ainda ecoaram na Revolução Federalista de 1893 e na Revolução de 1923, sendo finalmente apaziguadas com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930.

Reconhecimento Internacional da República Rio-Grandense

A República Rio-Grandense chegou a obter algum reconhecimento internacional. Em 1841, Bento Gonçalves firmou um acordo de auxílio militar com o Uruguai, estabelecendo cooperação entre os dois países. Além disso, em 1842, no chamado Pacto de Paysandú, províncias independentes do norte argentino reconheceram a legitimidade da República Rio-Grandense ao lado de líderes como José María Paz e Juan Pablo López, em oposição ao ditador argentino Juan Manuel de Rosas.

Conclusão

O Tratado de Poncho Verde selou o fim de um dos mais marcantes movimentos separatistas do Brasil. A Revolução Farroupilha não alcançou a independência, mas moldou a identidade gaúcha, deixando um legado de coragem, resistência e orgulho que perdura até os dias de hoje. O povo do Rio Grande do Sul nunca esqueceu seus heróis e seus feitos, mantendo viva a memória da luta farroupilha como um dos capítulos mais intensos de sua história

A Revolução Farroupilha terminou, mas seus ideais – e suas contradições – continuam a ecoar na identidade do povo gaúcho até os dias de hoje.