O Tratado de Ponche Verde, também chamado de Convenção de Ponche Verde ou Paz de Ponche Verde, marcou o encerramento da Revolução Farroupilha, selando infelizmente a reincorporação do território da República Rio-Grandense (considerada rebelde) ao Império do Brasil sob o governo de Dom Pedro II. No final de fevereiro de 1845, os termos da pacificação foram levados à análise dos líderes farroupilhas, já assinados pelo Barão de Caxias. O general David Canabarro, comandante-em-chefe do Exército Republicano, aceitou os termos em nome da República Rio-Grandense. A data oficial da assinatura é aceita como 1º de março de 1845, quando foi oficialmente anunciada a paz no Acampamento Imperial de Carolina, em Poncho Verde.
A região de Ponche Verde, nomeada assim pelos vastos campos verdejantes ideais para a criação de gado, corresponde hoje ao município de Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul. Foi ali que os líderes republicanos e as forças imperiais selaram um acordo que, ao menos no papel, garantiria anistia e direitos aos combatentes farroupilhas.
Embora o tratado tenha determinado o fim formal da República Rio-Grandense, seu legado permanece vivo na identidade do Rio Grande do Sul. A bandeira e o brasão do estado preservam os símbolos da república revolucionária, assim como outros estados brasileiros mantêm referências a movimentos emancipatórios em seus símbolos cívicos.
Além disso, diversas cidades gaúchas carregam nomes de figuras históricas da Revolução Farroupilha, como Bento Gonçalves, Garibaldi e Farroupilha. Porto Alegre, por sua resistência ao cerco farroupilha, recebeu do próprio D. Pedro II o título de "Mui Leal e Valerosa".
Os Bastidores da Pacificação
No final de 1844, já estava claro que a resistência farroupilha se enfraquecia e havia o desgaste do conflito e dificuldade em sustentar a guerra. Com isso o próprio Imperador Dom Pedro II buscou uma solução conciliatória e expediu um decreto confidencial em 18 de dezembro daquele ano, concedendo ao Barão de Caxias poderes para negociar a paz. O documento deixava claro que os farrapos, antes vistos como traidores, seriam recebidos com clemência caso aceitassem depor as armas.
No documento, ficava clara a disposição imperial de perdoar os insurgentes. Em um dos trechos do decreto, o imperador afirmava que os revoltosos, embora tivessem desafiado as leis do Império, mereciam sua "paternal proteção", concedendo-lhes plena anistia e garantindo que não seriam perseguidos pelos atos cometidos durante a guerra.
O artigo 2º desse decreto imperial dizia:
“Recorrendo à minha imperial clemência aqueles de meus súditos que, iludidos e desvairados, têm sustentado na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul uma causa atentatória da Constituição (...), concedo-lhes plena e absoluta anistia, para que nem judicialmente, nem de outra forma, possam ser perseguidos.” Ou seja, o Império buscava encerrar o conflito sem retaliações formais contra os rebeldes – ao menos, era isso o que se prometia.
O acordo estabelecia 12 cláusulas, sendo elas:
Art. 1° - Fica nomeado Presidente da Província o indivíduo que for indicado pelos republicanos.
Art. 2° - Pleno e inteiro esquecimento de todos os atos praticados pelos republicanos durante a luta, sem ser, em nenhum caso, permitida a instauração de processos contra eles, nem mesmo para reivindicação de interesses privados.
Art. 3° - Dar-se-á pronta liberdade a todos os prisioneiros e serão estes, às custas do Governo Imperial, transportados ao seio de suas famílias, inclusive os que estejam como praça no Exército ou na Armada.
Art. 4° - Fica garantida a Dívida Pública, segundo o quadro que dela se apresente, em um prazo preventório.
Art. 5° - Serão revalidados os atos civis das autoridades republicanas, sempre que nestes se observem as leis vigentes.
Art. 6° - Serão revalidados os atos do Vigário Apostólico.
Art. 7° - Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam.
Art. 8° - Os oficiais republicanos não serão constrangidos a serviço militar algum; e quando, espontaneamente, queiram servir, serão admitidos em seus postos.
Art. 9° - Os soldados republicanos ficam dispensados do recrutamento.
Art. 10° - Só os Generais deixam de ser admitidos em seus postos, porém, em tudo mais, gozarão da imunidade concedida aos oficiais.
Art. 11° - O direito de propriedade é garantido em toda plenitude.
Art. 12° - Ficam perdoados os desertores do Exército Imperial.
Com o tratado firmado, David Canabarro emitiu uma proclamação aos farrapos no dia 28 de fevereiro de 1845, declarando o fim da guerra:
"Concidadãos! A guerra civil que há mais de nove anos devasta este belo país está acabada. Podeis volver tranquilos ao seio de vossas famílias. Vossa segurança individual e vossa propriedade estão garantidas pela palavra sagrada do monarca." Fica a questão, foi ou não foi traição nos Porongos?
O clima de conciliação, no entanto, escondia contradições que logo ficariam evidentes. Embora o acordo garantisse anistia e direitos aos farrapos, muitas cláusulas foram descumpridas:
Os republicanos não puderam indicar o presidente da província, e o próprio Barão de Caxias foi nomeado senador do Império.
Não há registros que comprovem o pagamento das compensações financeiras prometidas aos líderes farroupilhas. Antônio Vicente da Fontoura, responsável pela negociação, relatou que a distribuição dos valores foi caótica, marcada por disputas e suspeitas de corrupção.
Nem todos os escravizados que lutaram pelo Exército Farroupilha foram libertos. Muitos foram devolvidos aos antigos senhores, outros vendidos no Rio de Janeiro. Os Lanceiros Negros, um dos grupos mais emblemáticos da revolução, foram traídos e massacrados na Batalha de Porongos.
A pacificação não apagou completamente as feridas do conflito. Rivalidades entre os antigos aliados farroupilhas permaneceram, resultando, anos depois, em novos embates políticos e até mesmo em assassinatos, como o de Vicente da Fontoura, morto em 1860 por opositores. Essas divisões ainda ecoaram na Revolução Federalista de 1893 e na Revolução de 1923, sendo finalmente apaziguadas com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930.
Reconhecimento Internacional da República Rio-Grandense
A República Rio-Grandense chegou a obter algum reconhecimento internacional. Em 1841, Bento Gonçalves firmou um acordo de auxílio militar com o Uruguai, estabelecendo cooperação entre os dois países. Além disso, em 1842, no chamado Pacto de Paysandú, províncias independentes do norte argentino reconheceram a legitimidade da República Rio-Grandense ao lado de líderes como José María Paz e Juan Pablo López, em oposição ao ditador argentino Juan Manuel de Rosas.
Conclusão
O Tratado de Poncho Verde selou o fim de um dos mais marcantes movimentos separatistas do Brasil. A Revolução Farroupilha não alcançou a independência, mas moldou a identidade gaúcha, deixando um legado de coragem, resistência e orgulho que perdura até os dias de hoje. O povo do Rio Grande do Sul nunca esqueceu seus heróis e seus feitos, mantendo viva a memória da luta farroupilha como um dos capítulos mais intensos de sua história
A Revolução Farroupilha terminou, mas seus ideais – e suas contradições – continuam a ecoar na identidade do povo gaúcho até os dias de hoje.