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domingo, 5 de novembro de 2017

Momento da Poesia Gaúcha - Chimarrão

Buenas entreverados deste pago virtual, hoje na nossa seção de poesia do blog, trago uma poesia marcante para mim e para muito talvez, pois, esta poesia de Glaucus Saraiva vem desde muito tempo estampada em térmicas de muitos mates do rincão e muitas vezes como tema de fundo em propagandas de erva mate, e isso marcou a minha infância e hoje neste domingão de começo de novembro o blog traz a todos a poesia Chimarrão de Glaucus Saraiva.


Chimarrão

Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.

Trazes à minha lembrança, 
Neste teu sabor selvagem, 
A mística beberagem, 
Do feiticeiro charrua, 
E o perfil da lança nua, 
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha, 
Por onde rolou a história, 
Empoeirada de glórias, 
De tradição farroupilha.

Em teus últimos arrancos, 
Ao ronco do teu findar, 
Ouço um potro a corcovear, 
Na imensidão deste pampa, 
E em minha mente se estampa, 
Reboando nos confins , 
A voz febril dos clarins, 
Repinicando: "Avançar"!
E então eu fico a pensar, 
Apertando o lábio, assim, 
Que o amargo está no fim, 
E a seiva forte que eu sinto, 
É o sangue de trinta e cinco, 
Que volta verde pra mim.

Glaucus Saraiva

Veja outras em:

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Momento da Poesia Gaúcha - Tradição

Buenas gauchada, mais uma da série Momento da Poesia Gaúcha, agora outra autoral que, quem sabe um dia saia em livro, mas, por enquanto vamos publicando aqui no xucrismo da internet.

Confiram e avaliem:

TRADIÇÃO

Nasci neste solo gaúcho
E tenho orgulho desta estampa
Guapo, criado no pampa
Conservador das tradições
Passando às futuras gerações
Deste Rio Grande crioulo
Guardando este tesouro
Dentro de nossos corações.

Este tesouro de tradição
Tem a alma caudilha
Desde a época farroupilha
Fincada na pampa sulina
Ergueu e defendeu sua sina
De mostrar ao mundo nossa cultura
Esbravejando a nossa bravura
Contra esta gente “malina”.

A tradição é uma chama
Que nunca vai se apagar
E a tendência é aumentar
Pois, sempre haverá um gaúcho
Que não precisa de luxo
Pra conservar os costumes
Fazendo com que se difunde
O grito do povo gaúcho.

Tradição é a nossa identidade
O churrasco e o chimarrão
No campo a lida com a criação
A arte do gaúcho campeiro
Devoto do negro do pastoreio.
Também é a festa da gauchada
A piazada na invernada
E os sonhos do velho tropeiro

Tradição é cantar nosso hino
Respeitar o pavilhão tricolor
Defender o Rio Grande com fervor
Como se fosse um soldado farrapo
Que defendeu lá no passado
Deu o sangue por sua querência
Fincando na memória sua existência
Para hoje com orgulho ser lembrado

Tradição é o nosso canto
Do puro tradicionalismo
Cantando nosso regionalismo
E o orgulho do nosso chão
São as memórias que trago no coração
Que agora passo pro piazito
Que sendo ou não sendo bonito
É o canto da gente deste torrão

Tradição é o próprio torrão sulino
No garrão desta querência
Também da prendinha a essência
Do amor por esta terra
O guri, um pequeno qüera
Que usa bota e bombacha
Às vezes até acho graça
Pois, me vejo bem como eu era

Tradição é tudo isso
E até mais um pouco
Pode me chamar de louco
Por amar tanto um pedaço de terra
E se for preciso faço guerra
Para este sentimento não acabar
E a nossa tradição continuar.
A se perpetuar na nossa terra.

Por: Rodrigo Silva

Confira mais poesias em:

sábado, 13 de agosto de 2016

Momento da Poesia Gaúcha - Romance do Injustiçado



Hoje o blog traz a poesia de Aparício Silva Rillo, um dos mestres gaúchos da poesia.

Romance do Injustiçado 

Como talhado em pau-ferro, 
o carão de traços duros,
o bigodão mal cuidado
desabando sobre os lábios;
par de asas mui cansadas
de um avejão de cor negra.
Melena de muitos meses,
sobrando por sobre a gola
e o colorado de um lenço,
sangrando em riba do peito.

A bombacha de dois panos,
remangada sobre a bota. 
Os cravos da espora grande
mordendo a franja do pala,
bem atirado pra trás.
No fivelão da guaiaca,
luzindo em campo de prata,
o louro das iniciais.

Sobrando da faixa negra
que lhe abarcava a cintura,
o cabo entalhado em chifre 
da xerenga de dois palmos.
Um relho, trança de oito,
vinha arrastando a açoiteira
dependurado no pulso
pelo tento do fiel.

Pela rédea, o azulego, 
se via que flor de flete
malgrado a estampa judiada 
de pingo que muito andou.
Foi assim que há muitos anos 
bateu nas casas da estância
o celebrado bandido
chamado “Estácio Arijo”.

Bandido para a justiça,
por seu respeito se explique,
que as razões de um índio macho 
nem sempre são bem aceitas 
pelos códigos e leis.

Bandido por ter sangrado,
igual de raiva e de armas
a um cujo que desonrara 
a mais moça das irmãs.

Bandido, porque apertado 
entre as brigadas e a enchente, 
já não podendo escapar 
por debaixo da fumaça, 
matou um dos quatro praças 
que lo quiseram carnear.

Bandido, porque seguido 
por milicadas sequiosas 
de uma vingança total, 
fugiu da estrada real 
para o mais fundo dos matos,
carneando chibos alheios 
para o churrasco sem sal.

Bandido, porque enleado 
na rudez da ignorância, 
fez da fuga e da distância 
seu modo de mal viver; 
porque quis a sina ingrata, 
que nunca tivesse plata 
para pagar um bacharel.

Bandido, porque não teve, 
a exemplo de tanta gente, 
cancha livre, costas quentes, 
à sombra de um coronel.

E assim viveu como bicho, 
pelos fundões das fazendas, 
a carregar a legenda 
de perigoso e assassino, 
ximbo, bagual, teatino, 
com fama de touro alçado, 
tragando o duro guisado 
que lhe picava o destino.

N’algum bolicho de estrada 
boleava a perna cestroso,
pelos domingos de tarde.
Para um cantil de cachaça, 
meio quilo de bolacha 
mais um punhado de sal.

Olhava de olhos compridos 
para o mais das prateleiras, 
pra um bom fumo amarelinho, 
pros maços de palha buena, 
para a erva de palmeira, 
num saco sobre o balcão.
Mas vinha curto seu cobre, 
mal e mal traz precisão; 
o bolicheiro era pobre, 
e ele não era ladrão.

E a polícia no seu rastro, 
malgrado o tempo passado, 
perseguido e acuado 
por plainos e socavões, 
sempre mudando de pouso 
pra confundir os milicos, 
que em manhas sim, era rico, 
por evidentes razões.

Cansou-se um dia, afinal, 
daquela vida de bicho, 
daquele estranho cambicho 
com as más volteadas da sorte,
de não ter rumo nem norte, 
não ter descanso ou sossego. 

E assim bateu cá na estância, 
naquele entono de taita 
que manda parar a gaita 
por ter cansado do baile. 
E ao patrão, velho Boerana, 
pediu Estácio Arijo 
que mandasse algum chirú
levar ao povo um recado:
que viesse o delegado, 
que ele afinal resolvera: 
ele, o bandido; ele, o maula, 
trocar o largo dos campos
pelo encolhido das jaulas.

Nas suas noites de insônia, 
entre um pelego e as estrelas, 
conseguira convencer-se 
que, sendo justa, a justiça 
lhe entenderia as razões 
e lhe daria, a lo muito,
poucos anos de condena 
ou mesmo absolvição.

Foi então, que a meia tarde,
num fordecão atochado, 
deu na estância o delegado 
com quatro praças por quebra 
para formar o sarilho: 
quatro fuzis embalados, 
quatro dedos no gatilho.

Então ... Estácio Arijo
tomou seu último mate, 
no mesmo entono de guapo
que era seu jeito de sempre,
arrastou a espora grande 
na direção dos milicos.

- Nem mais um passo! 
gritou-lhe num gritinho de falsete, 
o delegado, um joguete 
nas mãos do chefe local.
- Levante as mãos! 
- Largue as armas! 
- Esteje preso, seu bandido, 
seu metedor de pendenga!

E o Arijo, decidido 
a entregar-se sem briga,
levou a mão à barriga 
para descartar a xerenga.

- Cuidado! Berrou um praça.
Tremeram cinco covardes; 
e na calma desta tarde 
berraram quatro fuzis, 
quatro sóis de fumo e sangue 
se lhe acenderam no peito.

Foi desabando aos pouquitos 
de frente para os milicos, 
no jeito de um velho angico 
caído junto às macegas 
que lhe envejavam o entono.

E já quase adormecendo 
para o derradeiro sono, 
quatro vezes mal ferido, 
teve ainda tino e ouvido 
para escutar um dos cinco 
que lhe gritava:
- Bandido!

Caiu ... 
olhando pro céu, 
tinto de sangue e de luz.
Dava-lhe o sol pela frente, 
como a incendiar-lhe a figura, 
a mais rica das molduras 
para enquadrar um valente !

sábado, 20 de junho de 2015

Momento da Poesia Gaúcha - Cantador

Mais uma poesia de autoria própria, inspirada nos títulos das músicas de Luiz Marenco

Cantador

Faço verso pra o meu consumo
E pra cultivar a tradição
Esse e meu destino de peão
Que na minha charla de domador
Demonstra o meu interior
Minha origem de sangue pampa
que não nego minha estampa
Na poeira do corredor

Seguindo minha trajetória
Aqui bem pro sul
Contemplo o céu azul
Na imensidão do meu pago
E junto comigo eu trago
O sentimento do fundo de campo
Demonstro todo o meu canto
Nesta milonga do campo largo

Milonga que tem alma pampa
Num perfil de estrada e tempo
Evocando palavra nos "tento"
Pois no meu peito tem um rincão
E vou firmando o garrão
Meio andarilho ao trancaço
Trazendo o verso em cima do laço
Pra quem tem alma de galpão

E de volta de uma tropeada
Quando a alma volta pra terra
Ergo minha bandeira de guerra
Deixando de lado o recuerdo posteiro
Sigo a lida de campeiro pra campeiro
Extraviado nas estâncias da fronteira
Domando, pra apear na porteira
Com meu pingo companheiro

Esta e minha vida de peão
De um fronteiro de alma e pampa
Que em outro pago se agranda
Aguentando o tirão trago meu relato
Quebrando os silêncios das janelas do povoado
No meu rancho aqui na cidade
Pra contrariar a quietude
Da minha alma e de meu sangue maragato

Da alma branca dos que tem saudade
Ao andarilho campesino cantador
Todo gaudério tem um sonho em flor
De bota e bombacha assim no mas
A filosofia de andejo se faz
Com os destinos ja traçados
De a cavalo fulanos e sicranos
Vão sovando um pelego em busca da paz

Por: Rodrigo Silva

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Ave Maria do Peão

Mais uma para o meu Rio Grande.

Ave Maria do Peão


Odilon Ramos


Ao reponte do sol que descamba
no dia se aprochega para o arremate
pelos campos e nos matos da querência
no revoar da bicharada voltando ao ninho
é hora de recolhimento

No rancho que há no interior
de mim mesmo
eu, gaúcho de fé
me arrincono e medito

Despindo o poncho da vaidade
e do orgulho
tiro o chapéu, apago o pito
e me achego pra uma prosa
com o patrão maior

Na sua presença 
meu sangue quente de farrapo
se faz manso caudal
entrego-lhe minha alma
afoita de alcançar lonjuras
e abrir cancha 
em busca do destino
renuncio à minha xucra rebeldia
me faço doce de volta 
e macio de tranco
para dizer-lhe

Gracias patrão
por tudo que me deste
por esta querência Senhor
que meus ancestrais regaram
com seu sangue
e que aprendi a amar desde piá

Pelos meus parceiros 
nessa ronda da vida
sempre de prontidão para
me amadrinharem na 
campereada mais custosa
ou para matearem comigo
na hora do sossego

Reparte com eles, patrão
esta fé que me deste
e este orgulho pela minha
querência

Ajuda patrão
a manter acessa esta chama
concede sempre ao gaúcho
a força no braço
e o tino pra saber o que
é correto

Dá-nos consciência
para preservar a nossa cultura
livre da invasão dos modismos
conserva a essência e a beleza
da nossa tradição

E agora, com licença patrão
que vou aproveitar a olada
para um dedo de prosa com 
Nossa Senhora

Ave Maria
primeira prenda do céu
contigo está o Senhor,
na estância maior 
tu és bendita entre todas
as prendas
e bendito é o piá que 
trouxeste ao mundo, Jesus

Maria, mãe de Deus
E mãe de todos nós
roga pela querência
e pelos gaudérios 
que aqui moram
nesta hora e no instante
da última cavalgada

Amém 



sábado, 15 de março de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Romance do Injustiçado

O momento da poesia de Fevereiro traz Aparício Silva Rillo, com o:

Romance do Injustiçado  


Como talhado em pau-ferro, 
o carão de traços duros,
o bigodão mal cuidado
desabando sobre os lábios;
par de asas mui cansadas
de um avejão de cor negra.
Melena de muitos meses,
sobrando por sobre a gola
e o colorado de um lenço,
sangrando em riba do peito.

A bombacha de dois panos,
remangada sobre a bota. 
Os cravos da espora grande
mordendo a franja do pala,
bem atirado pra trás.
No fivelão da guaiaca,
luzindo em campo de prata,
o louro das iniciais.

Sobrando da faixa negra
que lhe abarcava a cintura,
o cabo entalhado em chifre 
da xerenga de dois palmos.
Um relho, trança de oito,
vinha arrastando a açoiteira
dependurado no pulso
pelo tento do fiel.

Pela rédea, o azulego, 
se via que flor de flete
malgrado a estampa judiada 
de pingo que muito andou.
Foi assim que há muitos anos 
bateu nas casas da estância
o celebrado bandido
chamado “Estácio Arijo”.

Bandido
para a justiça,
por seu respeito se explique,
que as razões de um índio macho 
nem sempre são bem aceitas 
pelos códigos e leis.

Bandido
por ter sangrado,
igual de raiva e de armas
a um cujo que desonrara 
a mais moça das irmãs.

Bandido, 
porque apertado 
entre as brigadas e a enchente, 
já não podendo escapar 
por debaixo da fumaça, 
matou um dos quatro praças 
que lo quiseram carnear.

Bandido, 
porque seguido 
por milicadas sequiosas 
de uma vingança total, 
fugiu da estrada real 
para o mais fundo dos matos,
carneando chibos alheios 
para o churrasco sem sal.

Bandido, 
porque enleado 
na rudez da ignorância, 
fez da fuga e da distância 
seu modo de mal viver; 
porque quis a sina ingrata, 
que nunca tivesse plata 
para pagar um bacharel.

Bandido, 
porque não teve, 
a exemplo de tanta gente, 
cancha livre, costas quentes, 
à sombra de um coronel.

E assim viveu como bicho, 
pelos fundões das fazendas, 
a carregar a legenda 
de perigoso e assassino, 
ximbo, bagual, teatino, 
com fama de touro alçado, 
tragando o duro guisado 
que lhe picava o destino.

N’algum bolicho de estrada 
boleava a perna cestroso,
pelos domingos de tarde.
Para um cantil de cachaça, 
meio quilo de bolacha 
mais um punhado de sal.

Olhava de olhos compridos 
para o mais das prateleiras, 
pra um bom fumo amarelinho, 
pros maços de palha buena, 
para a erva de palmeira, 
num saco sobre o balcão.
Mas vinha curto seu cobre, 
mal e mal traz precisão; 
o bolicheiro era pobre, 
e ele não era ladrão.

E a polícia no seu rastro, 
malgrado o tempo passado, 
perseguido e acuado 
por plainos e socavões, 
sempre mudando de pouso 
pra confundir os milicos, 
que em manhas sim, era rico, 
por evidentes razões.

Cansou-se um dia, afinal, 
daquela vida de bicho, 
daquele estranho cambicho 
com as más volteadas da sorte,
de não ter rumo nem norte, 
não ter descanso ou sossego. 

E assim bateu cá na estância, 
naquele entono de taita 
que manda parar a gaita 
por ter cansado do baile. 
E ao patrão, velho Boerana, 
pediu Estácio Arijo 
que mandasse algum chirú
levar ao povo um recado:
que viesse o delegado, 
que ele afinal resolvera: 
ele, o bandido; ele, o maula, 
trocar o largo dos campos
pelo encolhido das jaulas.

Nas suas noites de insônia, 
entre um pelego e as estrelas, 
conseguira convencer-se 
que, sendo justa, a justiça 
lhe entenderia as razões 
e lhe daria, a lo muito,
poucos anos de condena 
ou mesmo absolvição.

Foi então, que a meia tarde,
num fordecão atochado, 
deu na estância o delegado 
com quatro praças por quebra 
para formar o sarilho: 

quatro fuzis embalados, 
quatro dedos no gatilho.

Então ... Estácio Arijo
tomou seu último mate, 
no mesmo entono de guapo
que era seu jeito de sempre,
arrastou a espora grande 
na direção dos milicos.

- Nem mais um passo! 
gritou-lhe num gritinho de falsete, 
o delegado, um joguete 
nas mãos do chefe local.
- Levante as mãos! 
- Largue as armas! 
- Esteje preso, seu bandido, 
seu metedor de pendenga!

E o Arijo, decidido 
a entregar-se sem briga,
levou a mão à barriga 
para descartar a xerenga.

- Cuidado! Berrou um praça.
Tremeram cinco covardes; 
e na calma desta tarde 
berraram quatro fuzis, 
quatro sóis de fumo e sangue 
se lhe acenderam no peito.

Foi desabando aos pouquitos 
de frente para os milicos, 
no jeito de um velho angico 
caído junto às macegas 
que lhe envejavam o entono.

E já quase adormecendo 
para o derradeiro sono, 
quatro vezes mal ferido, 
teve ainda tino e ouvido 
para escutar um dos cinco 
que lhe gritava:
- Bandido!

Caiu ... 
olhando pro céu, 
tinto de sangue e de luz.
Dava-lhe o sol pela frente, 
como a incendiar-lhe a figura, 
a mais rica das molduras 
para enquadrar um valente !

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Negrinho do Pastoreio

Uma do Glaucus Saraiva

Negrinho do Pastoreio

Negrinho do pastoreio!
Aqui em nome de Deus
e dos tauras do Rio Grande,
venho pedir-te rodeio. 

Ressurjo da sepultura
a destilar a amargura
que não é do chimarrão...
É o amargo da descrença
na cuia da indiferença
com a erva da ingratidão. 

Com tapejara cautela,
dos pingos de tua vela
eu rastreio, despacito,
gotas de luz misturadas
com lágrimas derramadas
em teu calvário, negrito! 

Invoco a tu'alma
- oh, mártir da prepotência!
porque de novo a querência
mais uma vez se avassala...
E com redobrado afinco
reprisemos trinta e cinco
num desfio à senzala! 

Monta teu baio de empelo;
hoje serás o sinuelo
desta larga campearada,
reportaremos ao vento
os ecos de um juramento
pelo amor a este rincão.
"Arrancar a tradição
da cova do esquecimento". 

Leva tu'alma andarilha
no rastro que vou te dar...
Rumbeia teu galopear
a velha ponte da Azenha
e ao chegar grites a senha:
"Salve vinte de Setembro"!
E verás que a teu costado,
quais tauras ressuscitados
pelos toques de um clarim,
surgiram guapos caudilhos
e à testa, dois coronilhos,
Onofre e Gomes Jardim. 

Campeia no litoral,
por sobre a grimpa das ondas,
a liberdade das rondas,
que no atlântico portal
jamais ecoaram debalde,
e hás de sentir ilusões
de que ainda vês os lanchões
de Giuseppe Garibaldi! 

Em Ponche verde te espera
nesta cívica tapera
o Canabarro imortal...
Segue, no teu mesmo trajeto,
e encontrarás Souza Netto
de prontidão em Seival. 

Vem Negrinho! Aqui te aguardo
com os heróis de Rio Pardo,
e da imortal Piratini
- a República estupenda
que hoje repousa na lenda
deste rincão guarani. 

E no final deste rodeio
de proporção gigantesca,
a plêiade quixotesca
dos heróis quase esquecidos,
há de gritar aos ouvidos
deste povo indiferente
que embaixo da cinza quente
da passiva mansidão,
vive em cada coração
deste Rio Grande caudilho,
o braseiro de espinilho
do cerne da tradição. 

E chasqueará novamente,
além da nossa fronteira,
a imagem desta bandeira
que aos mastros foi renegada.
Mas que em épocas passadas,
em defesa do Rio Grande,
subiu mais alto que os Andes
na ponta da lança nua. 

E esses netos de charruas,
que andam de fronte erguida,
hão de mostrar para vida
que o Rio Grande não morreu.
Que, quando Deus escolheu
para guerra Farroupilha
o cenário da coxilha,
já tinha premeditado
que deste povo era o fado
lutar pela liberdade,
pela vida em igualdade,
pelo bem e contra o mal. 

E no lombo de um bagual,
esfarrapado e sem luxo,
perpetuou o gaúcho
como farrapo imortal. 

Agora vai meu Negrinho...
dá um alce pra tordilha.
Deus te guarde... Deus te salve!
Se em meio a tua trilha
te perguntarem meu nome,
sou primeiro farroupilha,
meu nome é Bento Gonçalves!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Bochincho

Mais uma poesia, agora do mestre Jayme Caetano Braun.

Bochincho


A um bochincho - certa feita,
Fui chegando - de curioso,
Que o vicio - é que nem sarnoso,
nunca pára - nem se ajeita.
Baile de gente direita
Vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quireral.

Atei meu zaino - longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
'Pero - que las, las hay',
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,

No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!

Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já sai entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalé china lindaça,
Morena de toda a crina,
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,
Com ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato!

A gaita velha gemia,
Ás vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se perdia
E eu - contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo
Dois olhos - flores de trevo
Com respingos de sereno!

Mas o que é bom se termina
- Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava, embalado,
Nos braços doces da china
Escutei - de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava - com espanto,
Mais sério do que um capincho!

E foi ele que se veio,
Pois era dele a pinguancha,
Bufando e abrindo cancha
Como dono de rodeio.
Quis me partir pelo meio
Num talonaço de adaga
Que - se me pega - me estraga,
Chegou levantar um cisco,
Mas não é a toa - chomisco!
Que sou de São Luiz Gonzaga!

Meio na volta do braço
Consegui tirar o talho
E quase que me atrapalho
Porque havia pouco espaço,
Mas senti o calor do aço
E o calor do aço arde,
Me levantei - sem alarde,
Por causa do desaforo
E soltei meu marca touro
Num medonho buenas-tarde!

Tenho visto coisa feia,
Tenho visto judiaria,
Mas ainda hoje me arrepia
Lembrar aquela peleia,
Talvez quem ouça - não creia,
Mas vi brotar no pescoço,
Do índio do berro grosso
Como uma cinta vermelha
E desde o beiço até a orelha
Ficou relampeando o osso!

O índio era um índio touro,
Mas até touro se ajoelha,
Cortado do beiço a orelha
Amontoou-se como um couro
E aquilo foi um estouro,
Daqueles que dava medo,
Espantou-se o chinaredo
E amigos - foi uma zoada,
Parecia até uma eguada
Disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato
Dum bochincho - quando estoura,
Tinidos de adaga - espora
E gritos de desacato.
Berros de quarenta e quatro
De cada canto da sala
E a velha gaita baguala
Num vanerão pacholento,
Fazendo acompanhamento
Do turumbamba de bala!

É china que se escabela,
Redemoinhando na porta
E chiru da guampa torta
Que vem direito à janela,
Gritando - de toda guela,
Num berreiro alucinante,
Índio que não se garante,
Vendo sangue - se apavora
E se manda - campo fora,
Levando tudo por diante!

Sou crente na divindade,
Morro quando Deus quiser,
Mas amigos - se eu disser,
Até periga a verdade,
Naquela barbaridade,
De chínaredo fugindo,
De grito e bala zunindo,
O gaiteiro - alheio a tudo,
Tocava um xote clinudo,
Já quase meio dormindo!

E a coisa ia indo assim,
Balanceei a situação,
- Já quase sem munição,
Todos atirando em mim.
Qual ia ser o meu fim,
Me dei conta - de repente,
Não vou ficar pra semente,
Mas gosto de andar no mundo,
Me esperavam na do fundo,
Saí na Porta da frente...
E dali ganhei o mato,
Abaixo de tiroteio
E inda escutava o floreio
Da cordeona do mulato
E, pra encurtar o relato,
Me bandeei pra o outro lado,
Cruzei o Uruguai, a nado,
Que o meu zaino era um capincho
E a história desse bochincho
Faz parte do meu passado!

E a china - essa pergunta me é feita
A cada vez que declamo
É uma coisa que reclamo
Porque não acho direita
Considero uma desfeita
Que compreender não consigo,
Eu, no medonho perigo
Duma situação brasina
Todos perguntam da china
E ninguém se importa comigo!

E a china - eu nunca mais vi
No meu gauderiar andejo,
Somente em sonhos a vejo
Em bárbaro frenesi.
Talvez ande - por aí,
No rodeio das alçadas,
Ou - talvez - nas madrugadas,
Seja uma estrela chirua
Dessas - que se banha nua
No espelho das aguadas!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Que diacho eu gostava de meu cusco

Mais um Momento da poesia com Alcy José de Vargas Cheuiche

Que diacho! Eu gostava do meu cusco

Entendo. Envelheci entendendo.
Bicho não tem alma, eu sei bem,
mas será que vivente tem?

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Era uma guaipeca amarelo,
baixinho, de perna torta,
que me seguiu num domingo,
de volta de umas carreira.

Eu andava meio abichornado,
bebendo mais que o costume,
essas coisa de rabicho, de ciúme,
vocês me entendem, ele entendeu.

Passei o dia bebendo
e ele ali no costado
me olhando de atravessado,
esperando por comida.

Nesse tempo era magrinho
que aparecia as costela.
Depois pegou mais estado
mas nunca foi de engordá.

Quando veio meu guisado,
dei quase tudo prá ele.
Um pouco, por pena dele,
e outro, que nesse dia,
só bebida eu engolia
por causa dos pensamento.

Já pela entrada do sol,
ainda pensando na moça
e nas miséria da vida,
toquei de volta prás casa
e vi que o cusco magrinho
vinha troteando pertinho,
com um jeito encabulado.

Volta prá casa, guaipeca!
Ralhei e ralhei com ele.
Parava um puco, fugia,
farejava qualquer coisa,
depois voltava prá mim.
O capataz não gostou,
na estância só tinha galgo,
mas o guaipeca ficou.

Botei o nome de sorro,
as crianças, de brinquinho,
mas o nome que pegou
foi de guaipeca amarelo.

Mas nome não é o que importa.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?

Ficou seis anos na estância.
Lidava com gado e ovelha
sempre atento e voluntário.
Se um boi ganhava no mato,
o guaipeca só voltava
depois de tirá prá fora.

E nunca mordeu ninguém!
Nem as índia da cozinha
que inticava com ele.
Nem ovelha, nem galinha,
nem quero-quero, avestruz.
Com lagarto, era o primeiro
e mesmo piquininho
corria mais do que um pardo.

E tudo ia tão bem...
Até que um dia azarado
o patrãozinho noivou
e trouxe a noiva prá estância.

Era no mês de janeiro,
os patrão tava na praia,
e veio um mundo de gente,
tudo em roupa diferente,
até colar, home usava,
e as moça meio pelada,
sem sê na hora do banho,
imagino lá no arroio,
o retoço da moçada.

Mas bueno, sou doutro tempo,
das trança e saia rodada,
até aí não tem nada,
que a gente respeita os branco,
olha e finge que não vê.
O pior foi o meu cusco,
que não entendeu, por bicho,
a distância que separa
um guaipeca de peão
da cachorrinha mimosa
da noiva do meu patrão.

Era quase de brinquedo
a cachorrinha da moça.
Baixinha, reboladera,
pêlo comprido e tratado,
andava só na coleira
e tinha medo de tudo,
por qualquer coisa acoava.

Meu cusco perdeu o entono
quando viu a cachorrinha.
E les juro que a bichinha
também gostou do meu baio.
Mas namoro, só de longe
que a cusca era mais cuidada
que touro de exposição.

Mas numa noite de lua,
foi mais forte a natureza.
A cadela tava alçada
e o guaipeca atrás dela
entrou por uma janela
e foi uma gritaria
quando encontraram os dois.

Achei graça na aventura,
até que chegou o mocito,
o filho do meu patrão,
e disse prá o Vitalício
que tinha fama de ruim:
Benefecia o guaipeca
prá que respeite as família!
Parecia até uma filha
que o cusco tinha abusado.

Perdão, le disse, o coitado
não entende dessas coisa.
Deixe qu'eu leve prá o posto
do fundo, com meu cumpadre,
depois que passá o verão.
Capa o cusco, Vitalício!
E tu, pega os teus pertence
e vai buscá teu cavalo.

Me deu uma raiva por dentro
de sê assim despachado
por um piazito mijado
e ainda usando colar.
Mas prometi aqui prá dentro:
mesmo filho do patrão,
no meu cusco ninguém toca.
Pego ele, vou m'embora
e acabou-se a função.

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?

Campiei ele no galpão,
nos brete, pelas mangueira
e nada do desgraçado.
No fim, já meio cansado,
peguei o ruano velho
e fui buscá o meu cavalo.

Com o tordilho por diante,
vinha pensando na vida.
Posso entrá numa comparsa,
mesmo no fim das esquila.
Depois ajeito os apero
e busco colocação,
nem que seja de caseiro,
se nã me ajustam de peão.
E levo o cusco comigo
pois foi o único amigo
que nunca negou a mão.

Nisso, ouvi a gritaria
e os ganido do meu cusco
que era um grito de susto,
de medo, um grito de horror.
Toquei a espora no ruano
mas era tarde demais.
Tinham feito a judiaria
e o pobrezinho sangrava,
sangrava de fazê poça
e já chorava fraquinho.

Peguei o cusco no colo
e apertei o coração.
O sangue tava fugindo,
não tinha mais esperança.
O cusco foi se finando
e os meus olho chorando,
chorando como criança.

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?
Nessa hora desgraçada
o tal mocito voltou
prá sabê pelo serviço.
Botei o cusco no chão,
passei a mão no facão
e dei uns grito com ele,
com ele e com o Vitalício!

Ele puxô do revólver
mas tava perto demais.
Antes que a bala saísse,
cortei ele prá matá.
Foi assim, bem direitinho.
Não tô aqui prá menti.
É verdade qu'eu fugi
mas depois me apresentei.
Me julgaram e condenaram
mas o pior que assassino,
foi dizerem que o motivo
era pouco prá o que fiz...

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem? 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Momento da Poesia Gaúcha - Retorno Bravo

Esta é uma das melhores de todas.
Retorno Bravo
Ubirajara Raffo Constant

Ali na porta do rancho, junto ao cusquito nervoso,
o velho guasca orgulhoso olhava o filho partir.
Também desejava ir com a mesma disposição,
levando a lança na mão, p'ra se unir aos farroupilhas
e pelear pelas coxilhas em defesa do rincão.

Porém já velho e arquejado perdera a força no braço,
tinha no lombo o cansaço do peso de muitos anos,
mas era um dos veteranos com orgulho do passado,
por ter a lança empunhado combatendo os castelhanos.

Que gana tinha de ir, aquele velho guerreiro,
de novo para o entrevero como gaúcho pelear,
mas ficava a se orgulhar que embora velho e cansado
tinha um filho ja criado partindo no seu lugar.

E ali na porta do rancho, cheio de orgulho e pesar,
viu o filho se afastar com garbo e disposição,
montando um flor de alazão, o laço preso nos tentos,
o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão.

Depois, com a estrada deserta, a noite foi se chegando,
o pampa foi silenciando nas grotas e nos banhados
e o velho guasca cansado no catre foi se arrimando,
em silêncio memoriando entreveros do passado.

Assim, a poeira dos dias cobriu o catre vazio
do paisano que partiu do rancho para a guerrilha,
levando na alma caudilha de guasca continentino,
a fibra, a glória e o tino de campeador farroupilha.

Já muitos dias depois um xirú trouxe a notícia:
- A farroupilha milícia em que seu filho marchou
peleando se dizimou. Morreram mas não recuaram
e entre os bravos que tombaram dizem que o moço ficou.

Num sentimento profundo o velho ficou calado,
mas o seu rosto enrugado não pode a dor esconder,
deixando livre correr, do fundo da alma ferida,
uma lágrima sentida que ele não pode conter.

Tristonha caiu a noite e mais triste a madrugada.
Latia ao longe a cuscada, na quincha gemia o vento,
e sem dormir um momento, ali no catre estirado,
o velho ficou atado na soga do pensamento.

Lembrou o filho em criança
correndo o pampa em retoço,
a melena em alvoroço soprada ao vento pampeano.
Recordou ano por ano até que o piá ficou moço
e ali da porta do rancho partiu p'ra revolução,
montando um flor de alazão,o laço preso nos tentos,
o poncho revoando ao vento e a lança firme na mão.

Estava assim recordando, quando lá fora um gemido
lhe fez apurar o ouvido e despertar-lhe a atenção.
E quando ouviu uma mão, naquela hora tão morta,
forcejar de encontro a porta como querendo arrombá-la,
sua visão ficou clara, voltando-lhe a luz e o brilho;
num ímpeto caudilho a porta abriu com vigor
e estarreceu-se de horror ante a figura do filho.

Cambaleante, ensangüentado,
as vestes feitas em frangalhos,
o corpo cheio de talhos dobrado pelo cansaço,
já sem força em nenhum braço, já sem poder ver direito,
e com o meio do peito aberto por um lançaço.

Fitando os olhos do filho o velho ficou calado.
Estarrecido, espantado, vendo-o ali em sua frente.
Então gritou gravemente: - Meu filho, por que voltaste?
Por que?
Por que não tombaste onde tombou nossa gente?
Maldito sejas, covarde, tu já não és mais meu filho!
Não tens o sangue caudilho, não agüentaste o repuxo,
deixaste teus companheiros, fugiste dos entreveros,
tu já não és mais gaúcho!

Então a face do guasca que peleando não tombou,
como um lançaço estampou a ira do coração.
Prostrando-se rudemente, naquele gesto inclemente,
desfalecido no chão, o moço sentindo a morte
roubar-lhe o sopro da vida, com a alma triste e ferida,
ali prostrado no chão, sem rancor no coração
olhou para o pai a seu lado, e já num último brado
fez a brava confissão:

- Meu pai, eu não fui covarde,
honrei meu poncho e minha adaga,
fiquei coberto de chagas mas agüentei o repuxo.
Fui valente, fui gaúcho, peleei com todo o ardor,
e se aqui vim escondido foi p'ra salvar do inimigo
o pavilhão tricolor.

Abrindo a camisa ao peito, tirou em sangue banhado
aquele trapo sagrado que até o fim defendeu,
e beijando-o estendeu ao pai, num último esforço,
e depois, curvando o dorso, o bravo guasca morreu.