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sábado, 29 de março de 2025

A Chama Crioula e o nascimento da Semana Farroupilha

Era uma tarde de setembro de 1947 quando um grupo de jovens estudantes do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, decidiu dar um passo fundamental na preservação das tradições gaúchas. Entre eles estava um jovem visionário chamado João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, que, ao lado de seus colegas Barbosa Lessa, Cyro Dutra, Fernando Machado Vieira, Flávio Krebs, Glaucus Saraiva, Ivo Sanguinetti e Wilmar Santana, concebeu a ideia de resgatar e valorizar a cultura do Rio Grande do Sul de uma forma inédita.

Inspirados pelo sentimento de pertencimento e pela necessidade de exaltar a identidade gaúcha em meio à modernização do Brasil, esses estudantes fundaram o Departamento de Tradições Gaúchas (DTG) dentro do grêmio estudantil do colégio. A iniciativa buscava resgatar costumes, celebrar a cultura regional e incentivar o conhecimento da história da Revolução Farroupilha. Mas a ideia logo se expandiria para algo maior.

A busca pela chama e o nascimento de um símbolo

A primeira grande ação desse grupo ocorreu no dia 7 de setembro daquele ano. Aproveitando as comemorações da Independência do Brasil, os estudantes solicitaram à Liga de Defesa Nacional uma centelha do Fogo Simbólico da Pátria, chama que ardia na Pira da Pátria, no Parque Farroupilha. A intenção era criar um novo símbolo para o tradicionalismo gaúcho.

Com a autorização concedida, Paixão Côrtes, montado a cavalo e empunhando um archote¹ improvisado, conduziu a centelha até o Colégio Júlio de Castilhos. Ali, acendeu um candeeiro crioulo, dando origem à primeira Chama Crioula, que se tornaria um dos maiores emblemas das tradições gaúchas.

O simbolismo desse ato foi imediato. Durante os dias seguintes, a chama permaneceu acesa dentro do colégio, iluminando não apenas o local, mas também os corações daqueles que queriam manter viva a essência cultural do Rio Grande do Sul. O gesto inspirou uma série de eventos que culminariam na criação da Semana Farroupilha.

O crescimento da tradição e a primeira Ronda Crioula

Durante os dias que antecederam o 20 de setembro, data que marca o início da Revolução Farroupilha, os jovens organizaram a primeira Ronda Crioula, uma série de atividades culturais que incluíam apresentações de dança, declamações de poesias, encontros de gaiteiros e debates sobre a história do estado.

A celebração culminou em um evento marcante: o primeiro baile tradicionalista da história, realizado no Teresópolis Tênis Clube. O jantar foi servido com pratos típicos como churrasco, pastel de carreira e o clássico café de chaleira. No salão, homens vestiam bombachas e lenços farroupilhas, enquanto as mulheres desfilavam seus vestidos de prenda.

A iniciativa dos estudantes logo se espalhou e, nos anos seguintes, diversos grupos tradicionalistas passaram a repetir o ritual da Chama Crioula, realizando cavalgadas para buscar e distribuir a centelha pelo Rio Grande do Sul. Em 1954, a data foi oficializada pelo governo estadual e a Semana Farroupilha tornou-se um evento consolidado no calendário gaúcho.

O legado de um movimento estudantil

O que começou como um gesto simbólico de jovens idealistas transformou-se na maior celebração da cultura gaúcha. A Semana Farroupilha, hoje, atrai milhares de pessoas para desfiles, acampamentos e atividades culturais, mantendo viva a história e a identidade do Rio Grande do Sul.

Graças à coragem e à paixão de Paixão Côrtes e seus colegas, a Chama Crioula segue ardendo como um lembrete de que a tradição gaúcha não é apenas uma lembrança do passado, mas um compromisso vivo com o futuro.

1 - Utensílio de iluminação, usado principalmente ao ar livre, que consiste essencialmente em um pedaço de corda untado de breu que se acende para iluminar; facho, teda, teia, tocha.


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Rio Grande do Sul e sua formação cultural

A cultura do Rio Grande do Sul é marcada por uma rica e complexa combinação de influências indígenas, europeias e africanas, resultando em um mosaico cultural único no Brasil. Para entender suas origens e seu desenvolvimento, é preciso mergulhar na história do estado, que começa muito antes da chegada dos colonizadores.

Raízes Indígenas e o Início da Colonização

Antes da colonização europeia, as terras gaúchas eram habitadas por diferentes povos indígenas, como os guaranis e charruas, que viviam em harmonia com o Bioma Pampa e a geografia local. Seus modos de vida, organizados em torno da caça, pesca e agricultura, deixaram marcas profundas na cultura da região, influenciando o que viria a ser, mais tarde, a base das tradições rurais gaúchas.

A chegada dos primeiros europeus, particularmente os espanhóis e portugueses, no século XVII, trouxe uma nova dinâmica para a região. As missões jesuíticas espanholas estabeleceram as primeiras vilas organizadas, convivendo com os indígenas e promovendo a mestiçagem cultural. No entanto, com a chegada dos bandeirantes paulistas e o avanço do domínio português, os povos indígenas foram brutalmente impactados, levando a uma reorganização cultural que seria o caminho para a formação do gaúcho.

A Formação da Identidade Gaúcha

O gaúcho, figura emblemática do Rio Grande do Sul, é o resultado da mescla de povos indígenas, colonos europeus, e africanos escravizados trazidos durante o período colonial. Trabalhando principalmente na criação de gado, o gaúcho desenvolveu um estilo de vida próprio, associado à lida no campo, à coragem e à liberdade. O uso da bombacha, do lenço e do poncho, bem como o hábito de tomar chimarrão, são símbolos dessa identidade, que ainda perdura como uma referência do orgulho sulista.

A introdução do cavalo pelos europeus e o desenvolvimento da pecuária marcaram profundamente o estado, transformando a economia e definindo grande parte das tradições. O Rio Grande do Sul tornou-se conhecido como uma terra de estâncias e rodeios, consolidando a figura do gaúcho como protótipo de bravura e independência.

Revoluções e a Consciência Regionalista

Outro fator essencial na cultura gaúcha são os movimentos revolucionários que marcaram sua história, sendo o mais famoso a Revolução Farroupilha (1835-1845). Essa guerra, travada entre os farroupilhas, que buscavam mais autonomia para a província e a redução dos impostos sobre o charque, e o governo imperial, reforçou o espírito combativo do povo gaúcho e sua noção de liberdade. Até hoje, a Revolução Farroupilha é comemorada com fervor durante a Semana Farroupilha, em setembro, quando o orgulho regionalista ganha destaque em todo o estado.

Tradições e Influências Europeias

Além dos elementos indígenas e africanos, o Rio Grande do Sul recebeu um grande contingente de imigrantes europeus, especialmente alemães e italianos, durante o século XIX. Esses grupos estabeleceram colônias nas regiões da Serra Gaúcha, onde desenvolveram uma cultura voltada para a agricultura, a viticultura e o artesanato, traços que permanecem até os dias de hoje.

A gastronomia gaúcha também reflete essa diversidade de influências. O churrasco, principal símbolo da culinária regional, surgiu nas estâncias, como uma forma de preparo da carne em meio ao cotidiano dos vaqueiros. A culinária dos imigrantes italianos trouxe o hábito de consumir massas e vinhos, enquanto os alemães deixaram como legado o tradicional café colonial, além de pratos como o chucrute e a cerveja artesanal.

A Cultura Contemporânea

No cenário contemporâneo, o Rio Grande do Sul mantém vivo seu orgulho por suas tradições, mas também abraça a modernidade. A música tradicionalista, com artistas que perpetuam a estética do gauchismo, divide espaço com novos movimentos culturais que renovam o cenário musical e literário do estado. A cultura de rodeios, festas campeiras e danças folclóricas, como o fandango, é amplamente celebrada nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), que preservam a memória dos antigos gaúchos e passam esses valores às gerações mais jovens.

Por fim, o Rio Grande do Sul é um estado de múltiplas vozes e culturas, que soube transformar sua história de resistência e luta em um símbolo de força e identidade. O gaúcho, seja nas estâncias do interior, nas cidades da serra ou nas metrópoles, carrega em si um orgulho que transcende fronteiras, projetando a cultura sulista como uma das mais vibrantes e complexas do Brasil.